segunda-feira, 28 de julho de 2008

A SAÚDE AMERICANA


Creio que todos os países do mundo prezam, em suas Constituições, a saúde. É obvio que no momento em que se registra o “direito à vida” se menciona a saúde. Ninguém vive doente. E quando se vê um documentário como “Sicko, SOS Saúde”(Sicko) de Michael Moore, se sabe, se é que já não se sabia, que nem todo mundo cumpre preceitos constitucionais e nem por isso se acha (ou acham) criminoso.
Moore investe contra a política de medicina pública em seu país (EUA). Lá não existe um SUS, ou seja, todo mundo que deseja um plano de saúde tem que pagar por isso. Eles são vários, como aqui. Mas se aqui nos temos uma saúde pública (que bem ou mal funciona), lá não tem disso: ou se paga ou se morrer. A mesma coisa da educação superior: nada de universidade de graça: ou paga ou fica com o curso elementar (até a chamada “high school” requer grana).
Fica no mínimo esquisito ver paises de menos posses terem o que se vê como serviço médico socializado. Michael Moore focaliza 4 exemplos: o do Canadá, o da Inglaterra, o da França e o de Cuba. Ninguém chama, por exemplo, a medicina da rainha Elizabeth II de comunista. Nos EUA ensaiaram o apelido quando surgiu num projeto de tratamento médico gratuito a quem quer que seja. E nós, brasileiros? E nós paraenses que há pouco xingamos a Santa Casa sem alertar para o fato de que as pessoas que faziam serviço de puericultura e pediatria anos a fio foram despedidas porque não eram concursadas (e as teóricas substitutas eram). Morrem crianças no Pará, mas não se diz que nascem tão depauperadas que a morte lhes serve de madrinha. Enfim, se temos filas nas portas dos ambulatórios e falta de leitos em hospitais não quer dizer que negamos tratamento porque o doente não tem plano de saúde. Pode não ter é plano de vida. Sem alimentação adequada, sem higiene, sem moradia salubre, sem educação, o que esperar de adolescentes grávidas que não fizeram aborto porque não tinham dinheiro para pagar a “curiosa” que se arvora a parteira?
O filme de Moore está sendo visto mundialmente pelo tema. Ninguém diz que a linguagem é corriqueira, que há cenas posadas, que o cineasta é parcial na sua exposição. O tema toca a todos porque todo mundo adoece ou vê alguém da família adoecer e precisar de tratamento imediato e bom.
Acho Moore um jornalista apaixonado, um cara que sabe o que quer e faz cinema para que se acredite que “a sua verdade é a verdadeira”. Mas apesar de sua notória parcialidade em coisas como “Fahenreit 9/11” pesa aquele dito de que “onde há fumaça há fogo”. E se Moore sacaneou com Charlton Heston em “Tiros em Columbine”(o ator doente recebeu-o em casa e ele foi grosso na questão da venda de armas), ele ataca neste “Sicko” com casos surrealistas como o da moça que foi acidentada, tinha plano de saúde, mas o plano não pagou a ambulância que a levou para o hospital. Detalhes sórdidos fazem os latidos de um mundo cão que o cineasta gosta de focalizar.Que prossiga é o meu voto. A sua fumaça pode intoxicar os carrascos de tanta gente. (Pedro Veriano)
O MAU PRESSÁGIO DE CASSANDRA

Cassandra na mitologia grega era irmã gêmea de Heleno. Um dia ela foi brincar com ele no Templo de Apolo e acabou dormindo. Na manhã seguinte a ama encontrou as crianças envolvidas por duas serpentes. A serpente que passou pelos ouvidos de Cassandra não lhe feriu, mas deixou uma faculdade na menina: ela passou a ouvir a voz dos deuses. Crescendo muito bela, ganhou a simpatia do próprio Apolo que lhe deu o dom da profecia. Mas como ela se negou a dormir com ele, castigou-a fazendo com que as pessoas desacreditassem de suas predições.Foi por isso que Tróia perdeu a guerra, não se acreditando na estratégia de Ulisses e o cavalo de madeira.
A personagem mitológica serviu ao novo filme de Woody Allen no titulo,”O Sonho de Cassandra”(Cassandra’s Dream). É o nome de um barco que os irmãos Ian (Ewan McGregor) e Terry (Colin Farrel) compram com as suas minguadas economias, como símbolo da fuga de uma rotina que não lhes dá chance de subir socialmente ou satisfazer as suas ambições.Esses irmãos são ingênuos e muito unidos, um apegado à uma atriz de teatro, outro ao jogo, endividando-se de tal forma que tudo o que possuem (ele e o irmão) passa a ser alvo de dividas.É aí que entra em cena um irmão da mãe deles, o Tio Howard (Tom Wilkinson). Médico de sucesso nos EUA, o homem é procurado para ajudar os manos no pagamento das dividas de Terry. Mas o parente faz uma contra-proposta: pode ajudar, mas quer ser ajudado de forma que eles façam “desaparecer” uma pessoa que vigia os seus negócios e sabe de suas mutretas. Começa, então, uma nova fase na vida dos irmãos: matar quem não conhecem para ter acesso ao âmago da história de Cassandra, ou seja, receberem a serpente que lhes dá poderes e outra vez enfrentarem Apolo. Sob as bênçãos, no caso do roteiro de Woody Allen, de Feodor Dostoiewski posto que o filme lembra sempre “Crime e Castigo”, a obra ais conhecida do escritor russo..
A narração é do tipo “moto-continuo”, como se o cineasta tivesse pouca produção para rodar mais seqüências (ou alongar algumas). Mas é este ritmo de contar ligeiro uma história de palpitante interesse que ajuda o filme. Ninguém desliga a atenção da trama, afinal um modelo de narrativa cinematográfica acadêmica. Tudo corre bem e economicamente. Nada é supérfluo e a própria conclusão não deixa muitas imagens e sons.
Woody Allen repete a sua abordagem na ambição desmedida que deu o seu excelente “Ponto Final” (Match Point) há três anos. Naquele filme uma personagem lia Dostoiewski. Aqui não é há uma menção explicita, mas o enredo é de um crime e um castigo moral, com desfecho cruento. E não se diga que é de hoje a inspiração do cineasta. Em seu(Crimes and Misdemeanors/ 1989) ele já abordava o tema.
Allen está fazendo uma comédia entre dois dramas. Tomara que siga o ritmo, pois o seu filme anterior, “Scoop, O Grande Furo”(Scoop/2006) foi uma deliciosa sátira aos crimes em série e fantasmagorias. Sempre inteligente, o comediante-ator-diretor está filmando na Europa há algum tempo. Os seus conterrâneos não lhe dão valor. Eles que perdem: os filmes de Allen já são clássicos de nascença. É um prazer ver um deles por ano.(Pedro Veriano)

sábado, 26 de julho de 2008

O NOVO HERÓI

Batman é o único super-herói dos quadrinhos pertencente à elite da sociedade ocidental. O milionário Bruce Wayne criou o personagem para vingar a morte dos pais em um assalto. A idéia desse vingador de colarinho branco partiu do desenhista Bob Kane no final da década de 30. Os quadrinhos do “Homem Morcego” foram muito populares nas antigas revistas brasileiras “Suplemento Juvenil” e “Gibi”. Em 1943 o herói ganhou um seriado dirigido por Lambert Heillyer com roteiro do próprio Bob Kane e mais Victor McLeod. Só em 1989 a história chegou à produção classe A de Hollywood dirigida por Tim Burton.
É preciso observar o fato de Batman ser rico e não os seus “colegas” Peter Parker, um estudante (O Homem Aranha), Clark Kent um jornalista(o Super-Homem ou Superman), ou Billy Batson,um garoto metido a “foca” de jornal (Capitão Marvel).A exceção é Terry Stark, o industrial que fez “O Homem de Ferro”.
Neste “O Cavaleiro das Trevas”, o novo Batman que chegou a muitos países uma vez para desestimular a pirataria, o conceito de herói é discutido. Assim como o de vilão. Como Bob Kane já morreu (em 1998), passa a idéia de que, no mundo violento de hoje, um herói de verdade não precisa de máscara. E um malvado como “O Coringa” não precisa de explicações para a sua malvadeza. No caso, Bruce Wayne, ou Batman, sente que está na hora de mostrar a cara, ciente de que a violência urbana ceifou a vida de amigos próximos. E o perverso vilão sorridente explica que “é mau porque o mal não precisa argumentar por que é mau”.
Há uma seqüência em que o Coringa toca fogo numa montanha de cédulas roubadas. Os capangas se revoltam, mas ele mata quem demonstrar revanche físico. Explica que sente prazer em roubar como sente em matar. O diabo não precisa de documento para dizer quem é. No fim das contas, tanto o herói como o seu antagonista sai de cena sem que se possa dizer “para sempre”. O mal não tende a terminar se as pessoas não fizerem as suas partes (como acreditar na força divina). O bem percebe que a melhor atuação é não dizer o que fez (“Faça o Bem sem olhar a quem”).
Esse espasmo temático leva o filme para longe da rotina. E as imagens bem elaboradas fazem o resto. Com uma direção de arte impressionante, vê-se uma batalha noturna em que a própria penumbra diz de sua gênese. Nesse ponto o quadrinho de Bob Kane passa longe: o que se aproxima é o novo Batman ”dark”de “graphic novel”(não mais “comic book”). E o entrecho ganha ares de “O Poderoso Chefão” na lembrança da máfia, com uma derivação do texto para detalhes distantes do que antes era coisa de guri.
Christopher Nolan, o diretor e co-roteirista, é inteligente e hábil no seu oficio. Pena é que a pretensão comercial esvazie certas coisas como deixando um monólogo do Inspetor Gordon (Gary Oldman) no final, falando o que já se viu ou sugeriu só em imagens.
O ator Heath Ledger que faz o Coringa morreu dias depois de encerradas as filmagens. É o seu melhor papel em curta carreira. Creio que a sua presença (ou a sua morte prematura)é uma das causas do fenômeno de renda que o filme construiu E Christian Bale, como Batman, prova a versatilidade de quem antes foi o menino perdido dos pais em “O Império do Sol” e mais tarde “O Sobrevivente”(tem tudo em DVD), herói real da guerra no Vietnam levado ao cinema por Werner Herzog. Por sinal que o papo de Bale ter batido na mãe(dele) é mais um estimulo para se ver o filme. Afinal, morcego bater na mãe é mais difícil do que Dracula isentar a jugular desta senhora de uma chupada.
Mas vale a pena se meter na fila (e que fila!!) para ver “Batman, O Cavaleiro das Trevas”. Claro que se trata de filme comercial de verão, mas não se furta a um conteúdo, o que é raro no gênero e época. (Pedro Veriano)

quinta-feira, 24 de julho de 2008

MICHAEL MOORE INCOMODA DE NOVO COM "SICKO"


Depois do sucesso mundial de “Farenheit 11/09”, o cineasta Michael Moore volta em "Sicko - SOS Saúde" a tocar nas feridas da América fazendo um painel do deficiente sistema de saúde que é proporcionado ao povo americano. Procurando contar histórias de pessoas que tiveram suas vidas marcadas pela falta de assistência médica, Moore vai compondo um quadro revelador sobre o que ocorre na América, incluindo histórias de pessoas eu procuraram ajudar os sobreviventes ao ato terrorista de 11 de setembro de 2001 e que também não mereceram atenção nem do governo americano nem dos planos de saúde. Para ampliar sua visão crítica dos planos de saúde americanos, Moore mostra como funciona este sistema na França, Canadá e em Cuba, revelando contrastes absurdos que no mínimo merecem ser questionados. Repetindo as suas características de uma narração irônica e entrevistas com pessoas ao longo de todo o documentário, Moore repete o formato de filmes anteriores como em “Roger e Eu” e “Tiros em Columbine”(seu melhor filme), reacendendo de alguma forma a importância do filme documentário dentro do cinema americano, onde muitas vezes muitas histórias ficam “esquecidas”. Polêmico, sem ter uma unanimidade entre a crítica e o público, no mínimo Michael Moore chama atenção para os temas que aborda. Tomara que ele continue assim e o cinemaníaco de hoje saiba valorizar mais o documentário como um gênero importante para o registro da história de qualquer país.
Marco Antonio Moreira

"BATMAN" SURPREENDE


Gosto do trabalho do diretor Christopher Nolan desde "Amnésia" e admirei muito o que ele fez em "Batman Begins", reconstruindo o personagem de forma mais séria e realista. Por isso, tinha quase certeza que em "Batman : O Cavaleiro das Trevas" o resultado seria no minímo interessante. E me surpreendi. O filme é mais do que eu esperava. O filme tem o compromisso com o espetáculo mas tem um roteiro muito bem desenvolvido que mistura a dualidade dos personagens, mostrando a corrupção, a loucura e as contradições de uma cidade chamada Gotham City, mas que poderia ser qualquer cidade do mundo de hoje.
Esta relação com a realidade, me agrada muito neste novo filme. E é através do personagem Coringa, interpretado com perfeição pelo falecido ator Heather Ledger, que o filme consegue pertubar com diálogos fortes, realistas que confrontam o "status quo" da criminalidade. O Coringa não quer só dinheiro. Ele quer o caos, a destruição e para isso ele precisa de Batman, o seu outro lado. Esta relação destes dois personagens é que está no centro do filme que discute o desequilibrio das regras de sobrevivência de hoje com maestria.
Com todas as cenas de espetáculos, efeitos especiais e o que mais Hollywood tem de melhor para conquistar o público, o grande ponto forte deste novo Batman é o roteiro, que inclui ainda o personagem do promotor Harvey Dent para confirmar e colocar em dúvida o conceito final de bom e mal, herói e vilão. Brilhante em vários momentos, "Batman :O Cavaleiro das Trevas" impressiona, pertuba, conquista o espectador. Enfim, é um exemplo de que o cinema de espetáculo pode e deve ter conteúdo, consistência. Que venha o próximo Batman, com Nolan na direção. Pena que o Coringa com Heather Ledger não voltará.
Marco Antonio Moreira

"O SONHO DE CASSANDRA" TEM WOODY ALLEN NA SUA MELHOR FORMA


Woody Allen é um diretor tão genial que é impossível definir a dimensão de seu trabalho no cinema já que ele consegue ser talentoso em tudo o que faz, seja na comédia ou no drama. Com mais de quarenta anos de carreira e tantos filmes maravilhosos, seu novo filme, “O Sonho de Cassandra” surpreende pela perfeição de um roteiro que caminha com personagens muito bem construídos que ficam divagando entre a ética, os valores que regem os homens no dia de hoje, a busca da felicidade (ou do que se pensa que é felicidade), a questão da família e sua influência dentro com comportamento das pessoas e principalmente do que se perdeu de dignidade e humanidade nos dias de hoje. Repleto de diálogos brilhantes, o filme vai num crescendo onde uma simples história de dois irmãos que querem comprar um barco para serem felizes, de repente vira uma tragédia grega com uma mensagem dura, realista e pertubadora. Allen sempre disse preferir o drama para expor suas idéias. Sua fase de filmes baseados no cineasta Ingmar Bergman produziu inúmero grandes filmes mais agora, mais maduro, amargo, consciente da sua visão do mundo, Allen começa a compor filmes dramáticos com características únicas, conquistando e pertubando o espectador com seus personagens tão próximos da nossa realidade.”O Sonho de Cassandra” é um de seus melhores filmes dos últimos anos, mas é até reduntante falar sobre os melhores filmes de Allen. Todos os filmes de sua autoria são bons, e Allen mesmo quando se repete, consegue dignamente fazer filmes importantes. Portanto, depois de todos estes anos, ainda é bom se surpreender com Allen no melhor sentido e em “O Sonho de Cassandra” isto acontece da melhor forma. Veja sem falta.
Marco Antonio Moreira

segunda-feira, 7 de julho de 2008

SUPER-HERÓI DE CARA CHEIA

A formula de humanizar o super-herói passa por uma mudança radical em seu comportamento. Seria um super-homem alcoólatra, preguiçoso, mal vestido, avesso ao banho e de guerra com o barbeador. Seria Will Smith depois de dormir no metrô em “À Procura da Felicidade”. E deve ser esta a ordem da produção para o diretor Peter Berg, ator de “Colateral” e “Leões e Cordeiros”, escritor e produtor de séries de TV, diretor de alguns episódios dessas séries, e agora diretor muito solicitado pela industria.
A ordem deu em “Hancock”(2008), uma comédia “blockbuster” que funciona quase até ao meio, capengando quando o roteiro envereda por um triangulo amoroso e explica mal a origem do (super)herói.
Como filme de ação moderno não falta serviço para o ator mais querido da nova Hollywood: o computador. A maioria das seqüências exigiu fundo verde ou azul para a inserção de imagens digitais.Os carros voam, as pessoas voam, as ruas se abrem, tudo que Superman costuma fazer, John Hancock faz. Só que para ele salvar uma pessoa de um atropelamento é preciso destruir uma frota de veículos, deixar automóvel dependurado em mastro de bandeira e simplesmente quebrar um trem.
Quando Hancok acha uma igual (e a moda é botar seres invulneráveis brigando com semelhantes) o melodrama pede passagem. Quem é super é a mulher do sujeito boa praça que se torna amigo e protetor dele.Cornea-lo, no caso, é o cumulo do cinismo.Mas logo se sabe de uma espécie de moldagem no sistema elétrico: os pólos iguais se repelem. Mary (Charlize Theron) é, arrisco dizer, positiva. Hancock também. E ele só vai saber disso depois de flertar com ela e saber de sua história desastrada.
O melo, no caso, é pé na bola. Graças a Smith o filme consegue ser divertido. Dá para boas gargalhadas até quer se adestre o mocinho ao politicamente correto. E super-homem negro ainda não pegou na terra de Obama. Fica até mesmo uma critica: ele, superblackman só dá mancadas, até que um branco mortal lhe ensine que a lei não isenta quem pode voar por conta própria.
O sucesso comercial indica uma seqüência. Até porque, nos créditos finais, está uma piada. Não se pode chamar Hancock de idiota. Ele queima os fusíveis. Eu jamais o chamaria disso. Mas os roteiristas bem que podiam ser mais idiotas para serem mais engraçados. (Pedro Veriano)

quarta-feira, 2 de julho de 2008

WALL-E:DEPOIS DO FIM DOS TEMPOS

A “verdade inconveniente” do ex-presidente norte-americano Al Gore, diz que a Terra está fadada a ser um mundo morto. Gore não gera “mau agouro”, apenas promove a sua pessoa, não sei se inadvertidamente, seguindo cientistas que temem por sérios desvios ecológicos.
O “fim do mundo” volta ao cinema depois de ter sido o prato principal do menu da guerra-fria, e, antes dela, das primeiras explosões atômicas. Se o tema serviu de forma livre, mais como muleta de uma criação que envolve a alma humana (para não dizer a mente), como em “O Fim dos Tempos”, o “acontecimento’(happening) de M. Night Shyamalan, agora serve a um poema desenhado, ao surpreendente” WALL-E”“de Andrew Stanton e a turma da PIXAR, companhia que inaugurou a animação tridimensional e hoje é quem faz a festa na casa do Mickey Mouse(a Walt Disney Productions).
Segundo Stanton, em 2700 a Terra virou um lixeiro. Não se pode dizer que o mar não ficou para peixe, pois simplesmente deixou de existir. Os navios estão apodrecendo no seco. As grandes cidades acumulam detritos que são limpos, na medida do possível por uma raça de robôs. Enquanto isso, o gênero humano, ou o que sobrou dele (vê-se que a maioria foi para o brejo) passou a viver numa estação espacial imensa, onde tudo é automático, de tal forma que não se precisa nem andar atrás das coisas( as pessoas movem-se em carrinhos que as levam pelos diversos corredores e as “despejam” na pérgula de uma piscina onde a moda é ficar boiando (nem pensar em nadar). Este mundo novo é comandado por máquinas. E as máquinas são supervisionadas por outras máquinas. O comandante humano é um senhor obeso que vive comendo e já desaprendeu a mover as pernas. Por outro lado, periodicamente esses moradores do espaço mandam sondas à Terra para ver se o cenário mudou. E uma dessas sondas vai encontrar o Wall-E do titulo, robô que sobrou dos tantos garis deixados a fazer pirâmides de latas amassadas.
É desnecessário dizer que o filme esbanja técnica. O pessoal da PIXAR criou o desenho animado de longa-metragem tridimensional com “Toy Story”. Hoje é dono da bola. Mas o que vale exaltar é que essa turma não pára de criar, de inventar histórias, de produzir animação que não seja apenas pandas que lutam caratê.
“WALL-E” é um poema. Numa hora em que tocam “La Vie em Rose” a emoção vai às lágrimas. E quando se ouve “Assim Falou Zarastruta” sente-se a homenagem ao filme maior da sci-fi, “2001, Uma Odisséia no Espaço”. Aqui, os computadores maus apanham dos computadores bons. Não se desmerece a conquistas tecnológica em nome de política correta, seja ecológica seja novelesca. O que se quer dizer é que os homens podem estar no céu (e estão), mas sentem uma profunda nostalgia da Terra e não se furtam à uma viagem de volta quando sabem que do lixão nasceu uma planta.
O filme também é um romance. O pequeno Wall-E parece se apaixonar pela sonda que o visita. Há uma seqüência em que ele está virtualmente quebrado e ela vai à velha oficina de sua raça atrás de peças para reconstituí-lo. Feito o serviço, há um interregno de desmemoria para uma recuperação pelo toque (máquina com máquina).De comover!
Há inspiração de “Daqui a Cem Anos” (Things to Come/;1936) de H. G., Wells e William Cameron Menzies, de A Ùltima Esperança da Terra”(The Omega Man), história de Richard Matheson refilmada como “Eu Sou a Lenda”,e, como eu mencionei, de “2001”. Esses filmes ajudam um roteiro muito bom, com um final que emenda no primeiro plano (a Terra devastada vista do alto a simular uma foto de Marte feita agora por uma sonda) com o mesmo tipo de plano seguido de um travelling por sobre o que começa a florescer. Não tenham duvida que é outro gol da PIXAR. E penso que desta vez foi gol de placa, coisa que vai ficar na memória da cinematografia mundial. Não só de “cartoon”: é cinema-criação, aquilo que faz a gente gostar tanto dessa arte. (Pedro Veriano).

terça-feira, 1 de julho de 2008

Jogo de Amor em Las Vegas

A idéia de tomar um porre em Las Vegas e acordar casado com Cameron Diaz é uma espécie de “non sense agradável”. Ainda mais quando por conta de uma ficha comprada por ela ser o ganhador de 3 milhões de dólares no caça-níquel. O caso é que a mulher gatissima e a fácil fortuna não parecem seduzir Ashton Krutcher no filme de Tom Vaugham vindo de um roteiro original (?) de Dana Fox: “Jogo de Amor em Las Vegas”(What Happens in Vegas). Trata-se de uma comédia absurda como tantas que Cary Grant fez sob ordens muitas vezes de gente grande como Howard Hawks. Mas como nesses casos o que vale é a desenvoltura do elenco,e a dupla Kutcher-Diaz parece bem melhor do que, por exemplo, Rock Hudson & Doris Day (“Confidencias à Meia Noite”, “Não Me Mandem Flores”). Rir do que se vê é uma questão de temperamento e de situação na hora do cinema. Se você está aperreado com algum problema, desses que massacram a cuca, pode até deixar a sessão no meio.Mas se encarnar na sorte do galã, o que pode reclamar é a sacanagem dele em atormentar a vida de uma garota como a Cameron (o troco que ela dá não fere tanto).
Hollywood fez história com o que se chamava de “screwball” e/ou “sophisticated comedy”. Retomar o gênero é uma imposição do mercado. Na verdade o público pode se renovar em espécie, mas não em emoções. O valor que se dá ao matrimonio como instituição está em dezenas de filmes e agora mesmo, em DVD, há uma raridade inglesa: “O Divórcio de Madame X”. Nele o casal que brinca de se desencontrar antes do altar é composto por Laurence Olivier e Merle Oberon, um ano antes deles serem os melhores Heatchcliff e Cathy das muitas adaptações de“O Morro dos Vêntos Uivantes” (dirigida por William Wyler em 1939). Vai da valsa que até os deuses da arte das imagens em movimento deram espaço aos jogos de amor. Não necessariamente em Nevada.(Pedro Veriano).

A TRAVESSIA DE SHYAMALAN

É do cinema tornar visível as coisas, os seres. Até mesmo quando não é possível mostrar mais do que rastros, vestígios dessa ausência, é preciso encontrar um corpo, um módulo ou um formato de expressão. “Fim dos Tempos” (The Happening), do cineasta de origem indiana M. Night Shyalaman, é parte desse desafio do cinema em lidar com o invisível. E Shyalaman o enfrenta com a mesma fé com que Moisés separou o mar vermelho para sua travessia.Trata-se de acreditar nas imagens, o que nos dias de hoje equivale a reescrever as leis, voltar ao “antigo testamento” do cinema, segundo o qual reza um mandamento inaugural: filmar a natureza e os objetos como iguais. Mais do que índice de presença ou até mesmo signo, é por meio deles que se opera a arte, o milagre de se modular o que não tem forma definida. O vento, por exemplo, que inspirou o clássico de Victor Sjöstrom, tinha a areia lancinante sobre o corpo de Lilian Gish, casas e estradas para lhe atestar uma existência cinematográfica.No filme de Shyalaman, o vento tem um papel importante. Parece ser o centro gravitacional de sua poética, quer pelo que evoca de belo como de assustador. Mas a travessia a que ele empreende não seria segura, não fosse pelo anel, a planta de plástico, o prendedor de cabelo, o cortador de grama e os outros incontáveis objetos que lhe indicam o caminho.É mais do que uma ontologia dos objetos, porque para além das suas respectivas naturezas e finalidades cada um deles agrega novas possibilidades, funções, cadeias de ações e sentidos. Na notável cena entre Mark Wahlberg e a jovem Ashlyn Sanchez (Jess), logo após a menina mergulhar na apreensão da perda definitiva dos pais, há o anel do protagonista, cuja pedra que o enfeita acredita-se capaz de expressar os sentimentos, mas que aqui, antes de diagnosticar, produz um estado de espírito. O professor de ciência (Wahlberg) arranca um sorriso à criança em meio ao terror, pura e exclusivamente graças a esse apetrecho. Estamos no domínio da metáfora e o que é mais belo: ela ainda é possível no cinema.“Fim dos tempos” se inscreve na tradição dos filmes tácteis de Hollywood, de “Desejo Humano”, de Lang; à “Cinzas que queimam”, de Nicholas Ray; nos quais tudo em cena evoca a presença, a trilha, o afeto humano, sem necessariamente enquadrar homens, mulheres, crianças na perspectiva da câmera. O fora de campo, é consciência da arte, aqui como acolá - quer dizer: naqueles tempos. Pois se a destruição imposta pelo homem à natureza e vice-versa, no caso do happening do filme, é mais do que visível, aquilo capaz de interromper esse processo aparentemente irreversível transcorre nessa fronteira entre a fé e o inexplicável.Ainda assim, Shyalaman nós dá evidências: um campo entre duas casas, o vento soprando, um homem e uma mulher que já não têm dúvidas sobre o amor que sentem. Esse encontro pôs fim à destruição, à ameaça (in)visível?Não cabem respostas fechadas... Como dizia Jean Cocteau, "não existe o amor, só existem provas do amor". E Shyalaman parece concordar com essa assertiva.

Adolfo Gomes

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