Vivendo as experiências do cinema e de séries de tevê desde
os anos 1960, Jodie Foster tem, em sua cinebiografia, atividades de atriz, de
produtora, roteirista e diretora, sendo que em alguns desses trabalhos ganhou
prêmios entre os quais dois Oscar – por “Acusados (1988) e “O Silêncio dos
Inocentes (1991).
Como diretora comparece com quatro títulos, estreando em
“Mentes que Brilham” (Little Man Tate, EUA, 1991), seguindo-se “Feriados
em Família” (Home for the Holidays, EUA, 1995), “Um Novo Despertar” (The
Beaver, EUA/Emirados Árabes, 2011) e o atual, “Jogo do Dinheiro”(Money
Monster, EUA, 2016), ainda em exibição em Belém.
Apresentado no 69º Festival de Cannes, em maio de 2016, o
filme tem um texto interessante em que o suspense e a crítica dialogam no tema
que explora: o papel do âncora de um programa de televisão, Lee Gates (George
Clooney) tratado como o “mago das finanças” do programa Money Monster cujo
conhecimento é visto na perspectiva da certeza do jogo no mercado financeiro,
estimulando os/as telespectadores a investirem nesta ou naquela empresa que ele
aponta como segura. Sua auxiliar é a diretora de TV e produtora do programa,
Patty Fenn (Julia Roberts) cujas atitudes decisivas repercutem nas posições do
âncora frente às câmeras. Principalmente num momento trágico com a entrada em
cena de umoutsider, Kyle Budwell (Jack O’Connell), que de arma em punho obriga
o apresentador a vestir dois coletes com explosivos exigindo saber as
artimanhas desse mercado que explodiu como uma bolha levando 800 milhões de
dólares dos investidores e onde se achavam as economias do jovem. A
justificativa do mercado é uma suposta falha dos computadores da tal
empresacomandada por Walt Camby (Dominic West). Embora a emissora queira
recolher-se para tratar do caso entre bastidores, o outsider precisa
que a sua ferida seja escancarada e venha à tona a verdade sobre os
responsáveis pela crise que submete milhares de pessoas. E prosseguem as cenas
entre o sequestro do âncora, as buscas para chegar à verdade do fato através da
explicação da empresa até o ato final da descoberta do real responsável pela
crise.
Como se vê, há eixos importantes que Jodie Foster explora
com a lógica da tensão de um filme de suspense. O primeiro, pode-se avaliar
através da representação de uma mídia que hoje é vista como dominante na rede
de intrigas das informações dadas em tempo real e disseminando o que quer e
como quer em notícias que deixaram de ser simples entretenimento e passaram a
subordinar o cenário jornalístico. A busca de novos espectadores e a
necessidade de aumentar a atenção de outros, projeta os programas que tendem a
garantir a audiência das classes sociais mais altas. A tendência, também é,
principalmente, não deixar fugir os financiadores dos programas, ou seja,
manter a submissão a estes a qualquer preço.
Outro eixo se observa no poder do apresentador de um
programa. Seus tiques, entonações e captura de outras estratégias para garantir
a audiência se objetificam, mas o centro motor da informação – no caso do filme
– é tratado de forma omissa, pois, a notícia que é dada por Lee/Clooney em meio
aos malabarismos cenarizados sobre a supressão da empresa do mercado de
capitais que viabilizaria o processo de capitalização e que deixou na mão os
investidores é repassada somente com a informação de que o CEO - Chief
Executive Officer – estava viajando e os funcionários não tinham outro informe
salvo a ocorrência de um transtorno nos algoritmos do processo de ampliação do
capital. Nesse caso, qual a responsabilidade de quem dá uma notícia sendo esta
uma meia-notícia? A informação devida ao público e em especial ao investidor
que confiou nas certezas do apresentador torna-se um anexo e não é tomada com a
responsabilidade devida pelo jornalista. Essa inversão de valores de certo
jornalismo é confirmado por uma conversa da personagem de Julia Roberts quando
diz aos seus auxiliares (considerando a situação do programa que se desenrola
ao vivo): "faz tempo que não fazemos jornalismo".
Outro eixo é o formato da narrativa. O roteiro de Jamie
Linden, Alan DiFiore e Jim Kouf constrói um cenário de ações bruscas, diálogos
recortados entre os três personagens centrais e os que são, aos poucos,
escalados para sintonizar na situação extrema do enredo. Os funcionários da
empresa de tecnologia que misteriosamente entra em colapso, os operadores de
imagens e áudio da tevê, as estratégias para entender o clima dooutsider na
família, o uso de hakers para chegar à tecnologia que motivou o colapso, tornam
“O Jogo do Dinheiro” um desenho mais forte do que se propõe no enredo. Não se
trata apenas de construir o suspense mas aproveitar toda a ação para fortalecer
a crítica. Se o mundo dos bastidores revela a superficialidade a denúncia às
corporações de capitais que enganam o público explorando o mundo real evidencia
a ganância em que estas vivem. E não só no mercado de ações, mas na mídia que
não se interessa em enfrentar o caso que noticia.
Usando a estratégia narrativa de um programa de tevê, até o
final, exibe os pontos abertos pelo roteiro deste a primeira sequência
estabelecendo, através do diálogo – telespectadores que são capturados
assistindo ao programa, o cenário & personagens da ação e os novos
ambientes introduzidos para levar ao eixo final – o vínculo entre o que era
visto como real e o desmoronamento deste pela pressão do outsider.
“O Jogo do Dinheiro” pode não ser um filme perfeito, mas
constrói sua parte crítica explorando o entretenimento o que já lhe dá uma
qualidade exemplar de ser inteligente.
Palmas para Jodie Foster. Valeu!
(Luzia Álvares)
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