sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

"O SOM AO REDOR"

Um país, uma cidade, uma rua, vários personagens e uma ilusão de harmonia, de paz e de tranquilidade que não existe. Não pode existir. Não tem como existir. Afinal, as diferenças sociais, pessoais, de poder e de pobreza estão no dia a dia, nas coisas, no som das coisas e pesssoas e principalmente, nos silêncios de tudo e todos. E é sobre estes “silêncios” que Kleber Mendonça fez “O Som ao Redor”, um dos melhores filmes brasileiros dos últimos anos. O filme mostra a rotina de personagens de uma rua de Recife que vivem sob o regime da apatia, da indiferença, do ódio, da incomunicabilidade e da infelicidade. Alguns personagens tem o poder econômico. Outros, o poder da raiva e da revolta demonstrados a qualquer momento. Cada personagem é construído no filme com o mínimo de informação ao espectador mas como Kleber Mendonça filma sua história, nada mais é preciso para entendermos o universo que cada um vive. Raras vezes vi um diretor filmar tão bem seus personagens, sua ambientação, seu exterior e principalmente seu interior. “O Som ao Redor” é um filme sobre o silêncio de cada um dos personagens sobre este mundo em que vivem. Silêncio este que cria um sentido de anarquia que pode explodir a qualquer instante,seja numa reunião de condomínio, seja durante uma festa do “dono” da rua, seja num telefonema. E é com esta ambientação que o filme se desenvolve brilhantemente. Com influência de vários estilos e escolas de cinema, inclusive do cinema novo brasileiro, podemos encontrar em “O Som ao Redor” a realidade brasileira (?) exposta na veia, no coração, sem filtros, sem misericórdia. Por isso, o filme tem um clima mágico, estranho. Porque é realista, duro e não desvia o seu olhar do que está registrando. O cinema é fantasia? “O Som ao Redor” é sobre a realidade, nua e crua. Oportuno em registrar os conflitos diários do nosso dia a dia social, o filme de Kleber Mendonça vai além. Desperta no espectador um sentimento de choque, de realidade, de surpresa, de tristeza com o que vê através dos acontecimentos desta rua que é de Recife e pode/deve ser de qualquer cidade/país. Ao sair do cinema, o que fazer com tanta informação, emoção, realidade muitas vezes escondida através da mídia, do mundo virtual, do mundo áudio-visual? Kleber Mendonça certamente não deu respostas para essa questões mais deixou em cada espectador um rastro de pensamento e reflexão como há muito tempo não se faz no cinema brasileiro. Sem mais palavras para definir a dimensão deste grande filme, sugiro apenas que quem puder ver “O Som ao Redor” que faça logo pois o filme sai de cartaz no próximo domingo  no Cine Líbero Luxardo.(Marco Antonio Moreira)

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

"OS MISERÁVEIS"

Gosto de musicais. Cresci vendo muitos filmes deste gênero que respeito e admiro até hoje. Mas esta versão exagerada de “Os Miseráveis” navega entre belas cenas e momentos sem a menor inspiração. O diretor e os atores se esforçam para fazer um grande filme usando todos os recursos que conhecem mas com um roteiro que mistura vários elementos da história principal de Vitor Hugo e que altera algumas questões básicas da história original, o filme não se sustenta. O filme é longo, às vezes literalmente chato, com atuações exageradas (especialmente Hugh Jackman e Anne Hathaway) e muitas vezes incomoda deixando uma vontade enorme de ver outras versões desta bela história que já rendeu bons filmes no passado. A direção Tom Hooper (de “O Discurso do Rei”) procurou fazer um registro mais realista filmando os atores cantando de verdade nas cenas e com o enquadramento bem próximo do rosto de cada ator. Em muitos momentos isso funciona como um bom elemento dramático mas em outros, o recurso se mostra desnecessário, enfraquecendo a força de algumas canções interpretadas. Com relação ao “Oscar”, Anne Hathaway pode ser premiada num atuação completamente exagerada. Mas se ganhar, não vai surpreender. Afinal, decisões como essas são normais para o “Oscar”.(Marco Antonio Moreira)

"O LADO BOM DA VIDA"

A mistura de gêneros nem sempre funciona. Comédias dramáticas, dramas cômicos, seja o que for, têm que ter um roteiro muito bem estruturado com personagens bem definidos para que o “timing” das situações funcione na tela e o tema principal do filme não seja abalado, enfraquecido. “O Lado Bom da Vida” (do mesmo diretor do bom “O Vencedor” que deu “Oscar” de melhor ator coadjuvante para Christian Bale) começa bem. Muito bem. Um dos personagens, um ex-professor que após passar quatro anos internado numa instituição para tratamento de deficientes mentais tenta consertar os erros de seu passado, dá o tom principal do filme. A busca desesperada pelo passado como redenção do presente, seu relacionamento com a ex-esposa, pais, família e tudo que o cerca é absurdamente paranóico. À deriva, este personagem acaba encontrando uma mulher que vive seus dramas pessoais de forma diferente, mais agressiva, mais realista mais não menos sofrida. A partir daí, ela guia o filme com sua personalidade forte e enigmática. Até este momento o filme cresce, funciona, interessa. O que pode acontecer com estes dois personagens à deriva, à margem? Dois “outsiders” num meio social pobre e cheios de regras. Mas a solução fácil de transformar o filme em algo simpático ao público muda toda a direção da história. Colocar uma competição de dança como uma “passagem” deste mundo de solidão para um mundo de redescoberta transformou a história num clichê do clichê. Final previsível, cenas previsíveis. Faltou apenas a canção “When You Wish upon a Star” para terminar este conto de fadas que no início era um drama interessante sobre dois “outsiders”. O que salva o filme do desinteresse total são as atuações de Jennifer Lawrence (grande atriz de sua geração que já esteve fantástica em “Inverno da Alma”) e Robert De Niro (grande ator da sua geração que apesar de nem sempre fazer bons filmes sempre está digno em seus papéis). Ambos podem ganhar o “Oscar” este ano e merecem. “O Lado Bom da Vida” é apenas um filme mediano, comum, sem maiores questões. E como o “Oscar” coloca esse filme em tamanha evidência com tantas indicações? Nos últimos anos, os filmes indicados ao maior prêmio do cinema americano tem sido de bom nível mais este ano, apesar de bons filmes lançados, algumas indicações decepcionaram. Tomara que em 2014, o “Oscar” volta a ter mais critério e indique filmes melhores. (Marco Antonio Moreira)

A HORA MAIS ESCURA

Os EUA levaram 10 anos para achar (e matar) Osama bin Laden, imputado como o autor do atentado que matou mais de 2 mil pessoas na queda de aviões sobre o World Trade Center, torres gêmeas de Nova York. E a missão dos terroristas ia mais longe, com outro avião caindo sobre o Pentágono, sede do poderio militar estadunidense, e outro que poderia ser endereçado a Washington, mas foi abortado pelos próprios passageiros da aeronave (tema de um bom filme de Paul Greengrass,“Vôo United 93”, de 2006). A caçada a Bin Laden certamente chegaria ao cinema. E chegou agora com “A Hora Mais Escura”(Zero Dark Thirty/EUA 2012) roteiro de Mark Boal (também produtor) para a diretora Katherine Bigelow, para quem escreveu também “Guerra ao Terror” (The Hurt Locker/EUA 2008). Os que têm pouca familiaridade na história perguntam por que a espionagem norte-americana demorou tanto tempo para encontrar um “inimigo publico numero um”. Surgiram mil e uma hipóteses, incluindo um envolvimento do presidente W.Bush com parentes de Bin Laden ligados ao comércio de petróleo. Na verdade, havia uma parede protetora ao terrorista na região onde ele nasceu e viveu. E é justamente a quebra dessa parede que o filme focaliza em uma linguagem semidocumental, expondo realismo como o recurso de tortura usado por agentes da CIA em afegãos presos e supostamente ligados a grupos de terror. A figura principal dessa história é Maya (Jessica Chastain), a agente que desde cedo foi direcionada ao processo investigatório na Operação Neptune Spear, para descobrir onde se escondia bin Laden. Segundo Mark Boal ela e mais a colega Jessica (Jennifer Ehle) eram as únicas mulheres do grupo de espionagem. A segunda é morta quando tenta encontrar-se com um denunciante ligado a Laden numa base próxima do esconderijo deste. Quanto a Maya, dedica-se ao trabalho de forma obsessiva, desde o momento em que o grupo se forma (se levarmos em conta o desempenho excelente de Jessica), e após a morte da colega mais empenho ela devota ao projeto, sendo, no fim das contas, a agente que vai identificar o terrorista quando o corpo de um homem morto na casa que se presume ter morado Laden e familiares chega à sua base. É impressionante quando, encerrada as buscas, um gigantesco avião americano espera pela agente e ela, ao entrar, recebe a noticia de que é a única passageira, ganhando a admiração de quem pergunta sua identidade por receber tanta devoção dos militares. O filme é bastante longo. Mostra a investigação desde o início em mais de duas horas e meia, sendo que duas delas são dedicadas ao processo de inquirição, à captura e interrogatório de prováveis terroristas e a confusos meandros de serem identificadas as pessoas mais próximas do objetivado, um grupo que se esconde com o cuidado de não deixar detalhes nas mãos de quem possa sucumbir aos dolorosos interrogatórios inimigos. A hora escura do titulo é depois da meia-noite e nesse período vêem-se soldados atirando em quem apareça, poupando apenas mulheres e crianças. Mesmo assim, na hora da invasão à casa de Laden (noite de 01/05/2011) um dos soldados grita para calarem uma das crianças que não pára de chorar. Há uma pugna para pagar violência com violência. Há dois eixos que se evidenciam, além da caçada silenciosa a bin Laden. O primeiro refere-se às práticas de tortura tomando o tempo do filme. As longas sequências deixam o público angustiado por repassarem as caracteristicas atrozes desses atos. O segundo, que daria uma análise mais densa, é a da atitude dos comandos militares e da CIA à figura de Maya em meio à equipe. Sempre tratada de forma secundária, vê-se que essas posições expoem o preconceito dos superiores por sua condição de mulher. Aliás, isso foi evidenciado pela atriz em uma entrevista por ocasião do lançamento do filme. O desprezo por suas idéias é sistemático, mas aceito quando um dos colegas assume. Katherine Bigelow ficou com o status de especialista no assunto “terrorismo” ao ganhar o Oscar em “A Hora do Terror”, daí os recursos para este novo projeto. O detalhismo se tornou uma qualidade demonstrada nas minucias aplicadas. Há interesse no filme, mas há tempo demais para evidenciar uma missão de guerra.(Luzia Álvares)

"ANNA KARENINA"

O relacionamento do cinema com o teatro sempre foi intimo, mas, como marido e mulher, cada um tem suas características e muitas vezes estas se mostram irreconciliáveis. Filmes vindos de peças teatrais muitas vezes são registros de falas perseguidas em atuações exageradas de atores que as câmeras seguem afoitas com medo de parar e com isso fazer a vez de um passivo espectador na plateia (melhor: no camarote).Pouco cinema. Esse parentesco é desfiado em “Ana Karenina”(EUA,2012) de Joe Wright o competente diretor inglês que traduziu bem o universo de Jane Austen na sua versão de “Orgulho e Preconceito”. O filme começa com uma tomada de um palco. Abre-se a cortina, há uma visão passiva de um quadro cênico mas logo a câmera se intromete e vaga por lugares insuspeitados, sempre numa posição de quem dança, bailando literalmente por sobre o classico literário que em cinema deu um dos melhores momentos de Greta Garbo. Wright brincou de teatro e literatura. Sua Karenina antes de se jogar sobre o trilho do trem parece que a toda hora vai cantar. Não se trata de um musical, mas eu arrisco chamar o filme de musical sem musica. É tudo o que perseguiu a versão operística de “Os Miseráveis” sem fazer cinema. E como cinema é movimento, a dança que sai e entre no palco (vai e volta) engloba trechos e falas do original com a demonstração cativante de direção de arte (cenografia), figurino, fotografia, e mobilidade de varias objetivam(cinegrafia que usa lentes de vários milímetros). Uma festa para os olhos sabendo que muitos da plateia sabem quem é a personagem principal e seu destino. Ah sim: o filme é candidato a Oscar técnicos. Todos justos.(Pedro Veriano)

"A HORA MAIS ESCURA"

Antes que eu me esqueça: a opção pela lembrança do teatro na linguagem de “Ana Karenina” por Tom Stoppart (roteirista) e Joe Wright(diretor) foi um adendo à elegância da cena na época da ação descrita por Tolstoi. Poderia ser um musical, com o fausto da melhor cenografia de Hollywood & Pinewood,mas ficou na estrutura. Outro filme da campanha do Oscar que chega aos cinemas de Belém é “A Hora Mais Escura”(Zero Dark Thirty) de Katherine Bigelow. O roteiro de Mark Boal focaliza a gigantesca operação da CIA em encontrar Osama Bin Laden. O autor do atentado ao World Trade Center ficou na mira dos americanos desde o fato em 2001. Havia uma gana em capturar vivo o terrorista e levá-lo aos EUA para um julgamento que não precisaria de bola de cristal para se saber o veredito. Mas o homem foi morto. E na casa onde foi achado estavam mulher e filhos. Estes foram poupados. Bem, a história andou sendo contada pelo militar que atirou na cabeça do perseguido. Não se sabe detalhes. E o filme passa quase duas horas costurando a operação em si, como se delineou a busca até achar a “toca” da presa. Bigelow deve ter pensado num replay de seu “Guerra ao Terror”, zebra do Oscar de quatro anos passados. Creio que não vai dar. Longo, seguindo uma linha documental que não deve interessar a muitos (especialmente quem acompanhou pela imprensa a caça a Bin Laden) o filme perde a chance de ir fundo na ideia sinistra do personagem em atacar o centro de Nova York como forma de “liquidar” um inimigo (e nem se fala no relacionamento de Osama e parentes em negócios como o petróleo). A mim foi um sacrifício passar 157 minutos assistindo. Claro que uma obra de ficção, mesmo baseada em fato real, permite desvios autorais. Mas um fato recente pedia outra coisa. Pedia mais informações e processo narrativo na linha que Henry Hathaway criava como “semidocumental”. Se a opção foi por uma simples amostragem da caçada ao inimigo público não era preciso tanta amostragem burocrática que no fundo exala propaganda. Em poucas palavras: “A Hora Mais Escura” escureceu, sim, o prazer de ver cinema. E Jessica Charlstein, candidata a Oscar, está OK, mas concorrer com Emanuelle Riva(Amor) é absurdo.(Pedro Veriano)

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

"OSCAR" 2013 - CANDIDATOS ESTRANGEIROS

Na década de 50 eu vi no antigo cinema Moderno o documentário “Kon Tiki” do norueguês Thor Heyersahl. Foi o Oscar do gênero e sempre me marcou a ideia de que a missão de cortar oceano numa jangada era para provar que os nossos índios vieram da Polinésia. Hoje, vendo “Kon Tiki” de Joachim Ronning e Espen Sandberg fico sabendo do contrário, ou seja, a expedição de Thoe partiu do Peru para afirmar que os polinésios são descendentes dos sul-americanos. Importa que o novo filme, uma recriação do fato histórico, impressiona categoricamente. Encabeçados pelo idealista Thor, seis homens se lançam numa aventura suicida, perseguindo a ideia de que a viagem aconteceu, de fato, muito antes de Colombo chegar à America. O filme consegue ser dinâmico sem sair do fato histórico e só utiliza um viés de romance para alimentar a plateia que poderia desprezar a simples amostragem dos heróis focalizados com a dimensão humana restrita ao medo de morrer no mar. Este romance é justamente o de Thor (Paul Sverre Valheim Hagen) com a esposa Liv (Agnes Kittelsen) mãe de seus dois filhos. Ela não suporta a febre idealista do marido e o abandona antes de saber que ele chegou bem a seu destino no trajeto de cerca de 4300 milhas. Deixou-lhe uma carta que um colega de viagem leva para ser entregue a ele ao desembarcar no solo polinésio. Um trabalho de direção de arte muito bom e de uma edição capaz de ritmar a monotonia da longa viagem(apesar da ameaça de tubarões). È o candidato da Noruega ao Oscar de filme estrangeiro este ano(2013). Não deve repetir o feito de seu antepassado cinematográfico mas exibe o insuspeitado bom cinema do país. Outro candidato a Oscar é “Rebelle”, representando o Canadá. Filmado no Congo narra a historia de uma jovem assolada pela violência da guerra tribal e obrigada pelos inimigos a matar pai e mãe. Depois ela segue com as tropas desses inimigos e dentre muitas barbaridades vê a morte do amante e engravida de um truculento militar. Ela narra o seu drama e não é obrigada a estar viva para contar sua odisseia. O recurso da narração oral apenas facilita o ritmo de um filme que se debruça na crueldade,mostrando (bem) o lado animalesco de seres humanos. O diretor é Kim Nugyen com mais 6 filmes no currículo. Filmado em locações nos pontos citados pelo roteiro do próprio diretor custa a tirar a noção de documentário. Um elenco expressivo dá conta de uma realidade copiada com o rigor de quem quer deixar bem nítido os fatos. É um dos filmes mais cruéis que vi em anos. Mas essa crueldade é objetivada pelo autor. Impressiona especialmente o desempenho de Rahel Mzuanga como Komona, a sofrida heroína. No Brasil o filme vai se chamar “A Feiticeira da Guerra”. Isto porque Komona, para se livrar de torturas, diz-se bruxa. E acreditam nisso. Os dois filmes que eu menciono vão perder a estatueta de Hollywood para o grande “Amor” de Michael Hanek. Mas eles ganham longe alguns dos candidatos a filmes concorrentes de língua inglesa.(Pedro Veriano)

"A HORA ESCURA"

Antes que eu me esqueça: a opção pela lembrança do teatro na linguagem de “Ana Karenina” por Tom Stoppart (roteirista) e Joe Wright(diretor) foi um adendo à elegância da cena na época da ação descrita por Tolstoi. Poderia ser um musical, com o fausto da melhor cenografia de Hollywood & Pinewood,mas ficou na estrutura. Outro filme da campanha do Oscar que chega aos cinemas de Belém é “A Hora Mais Escura”(Zero Dark Thirty) de Katherine Bigelow. O roteiro de Mark Boal focaliza a gigantesca operação da CIA em encontrar Osama Bin Laden. O autor do atentado ao World Trade Center ficou na mira dos americanos desde o fato em 2001. Havia uma gana em capturar vivo o terrorista e levá-lo aos EUA para um julgamento que não precisaria de bola de cristal para se saber o veredito. Mas o homem foi morto. E na casa onde foi achado estavam mulher e filhos. Estes foram poupados. Bem, a história andou sendo contada pelo militar que atirou na cabeça do perseguido. Não se sabe detalhes. E o filme passa quase duas horas costurando a operação em si, como se delineou a busca até achar a “toca” da presa. Bigelow deve ter pensado num replay de seu “Guerra ao Terror”, zebra do Oscar de quatro anos passados. Creio que não vai dar. Longo, seguindo uma linha documental que não deve interessar a muitos (especialmente quem acompanhou pela imprensa a caça a Bin Laden) o filme perde a chance de ir fundo na ideia sinistra do personagem em atacar o centro de Nova York como forma de “liquidar” um inimigo (e nem se fala no relacionamento de Osama e parentes em negócios como o petróleo). A mim foi um sacrifício passar 157 minutos assistindo. Claro que uma obra de ficção, mesmo baseada em fato real, permite desvios autorais. Mas um fato recente pedia outra coisa. Pedia mais informações e processo narrativo na linha que Henry Hathaway criava como “semidocumental”. Se a opção foi por uma simples amostragem da caçada ao inimigo público não era preciso tanta amostragem burocrática que no fundo exala propaganda. Em poucas palavras: “A Hora Mais Escura” escureceu, sim, o prazer de ver cinema. E Jessica Charlstein, candidata a Oscar, está OK, mas concorrer com Emanuelle Riva(Amor) é absurdo.(Pedro Veriano)

"O LADO BOM DA VIDA"

Candidato a vários Oscar, “O Lado Bom da Vida” (Silver Lining Playbook,EUA, 2012) foi intitulado, em Portugal, “Guia Para um Final Feliz”. Fica melhor assim, o registro deste filme, baseado em uma historia de Matthew Quick com roteiro do diretor David O.Russel. Analisando friamente, sem levar em conta detalhes nacionais, ou mesmo regionais, que podem ser observados apenas pelos norte-americanos da região focalizada, trata-se de uma armação romântica dentro dos parâmetros usados pelas comédias românticas de Hollywood. Dessa forma, posso afirmar que o cinéfilo sabe, vendo e avaliando a primeira sequencia do filme, como será a última desse trabalho mais recente do autor de “O Vencedor”. No enfoque da trama, o professor de educação física Pat (Bradley Cooper) passa uma temporada em uma clinica para doenças mentais. Ao sair para a casa dos pais fica sabendo que a sua esposa Nikki (Brea Bee) deixou-o, vendendo a casa em que eles moravam. Traumatizado, o jovem encontra na vizinha Tiffany (Jennifer Lawrence), viúva recente, o apoio necessário. Ela também passou por tratamento psiquiátrico e, como ele, toma remédios específicos para controlar suas emoções. Mas é difícil Pat esquecer a esposa. E apesar de formar com Tiffany um par de dança disposto a concorrer em concurso especifico, escreve à antiga companheira na esperança de que o relacionamento dos dois seja renovado. Além das personagens principais, o filme também apresenta o apostador inveterado e de bom humor, o pai de Pat que também se chama dessa forma (é o Sênior) e a esposa deste, Dolores, justamente quem confia na recuperação do filho. O primeiro é interpretado por Robert De Niro que se mostra muito à vontade, ou como disse um critico, “sendo ele mesmo”. O ator é candidato ao Oscar de melhor coadjuvante e penso numa homenagem por toda a sua filmografia. Já a atriz Jacki Weaver, como Dolores, não tem muito a mostrar. Nenhuma inovação, no processo narrativo, chama muita atenção. O que realmente se sobressai é a expansividade com que Jennifer Lawrence encarna seu papel. E é uma representação difícil. Por mais que o roteiro e a direção não explorem com muita profundidade o drama dos tipos mentalmente traumatizados, ela consegue dar um toque emotivo, expor a instabilidade afetiva que o seu personagem tem de exibir para convencer. Não entendo é como “O Lado Bom da Vida” entusiasmou tanto os associados da Academia de Hollywood para concorrer a nada menos de 6 Oscar incluindo os principais (filme, diretor, ator, atriz e roteiro adaptado). Enfim, a premiação do gênero tem sempre razões que a razão da critica independente desconhece. Não fosse assim e Chaplin, Hitchcock, Stanley Kubrick e tantos cineastas talentosos com filmes exponenciais teriam sido lembrados nessa premiação da indústria (e não foram ). (Luzia Álvares)

"O LADO BOM DA VIDA"

Candidato a vários Oscar, “O Lado Bom da Vida” (Silver Lining Playbook,EUA, 2012) foi intitulado, em Portugal, “Guia Para um Final Feliz”. Fica melhor assim, o registro deste filme, baseado em uma historia de Matthew Quick com roteiro do diretor David O.Russel. Analisando friamente, sem levar em conta detalhes nacionais, ou mesmo regionais, que podem ser observados apenas pelos norte-americanos da região focalizada, trata-se de uma armação romântica dentro dos parâmetros usados pelas comédias românticas de Hollywood. Dessa forma, posso afirmar que o cinéfilo sabe, vendo e avaliando a primeira sequencia do filme, como será a última desse trabalho mais recente do autor de “O Vencedor”. No enfoque da trama, o professor de educação física Pat (Bradley Cooper) passa uma temporada em uma clinica para doenças mentais. Ao sair para a casa dos pais fica sabendo que a sua esposa Nikki (Brea Bee) deixou-o, vendendo a casa em que eles moravam. Traumatizado, o jovem encontra na vizinha Tiffany (Jennifer Lawrence), viúva recente, o apoio necessário. Ela também passou por tratamento psiquiátrico e, como ele, toma remédios específicos para controlar suas emoções. Mas é difícil Pat esquecer a esposa. E apesar de formar com Tiffany um par de dança disposto a concorrer em concurso especifico, escreve à antiga companheira na esperança de que o relacionamento dos dois seja renovado. Além das personagens principais, o filme também apresenta o apostador inveterado e de bom humor, o pai de Pat que também se chama dessa forma (é o Sênior) e a esposa deste, Dolores, justamente quem confia na recuperação do filho. O primeiro é interpretado por Robert De Niro que se mostra muito à vontade, ou como disse um critico, “sendo ele mesmo”. O ator é candidato ao Oscar de melhor coadjuvante e penso numa homenagem por toda a sua filmografia. Já a atriz Jacki Weaver, como Dolores, não tem muito a mostrar. Nenhuma inovação, no processo narrativo, chama muita atenção. O que realmente se sobressai é a expansividade com que Jennifer Lawrence encarna seu papel. E é uma representação difícil. Por mais que o roteiro e a direção não explorem com muita profundidade o drama dos tipos mentalmente traumatizados, ela consegue dar um toque emotivo, expor a instabilidade afetiva que o seu personagem tem de exibir para convencer. Não entendo é como “O Lado Bom da Vida” entusiasmou tanto os associados da Academia de Hollywood para concorrer a nada menos de 6 Oscar incluindo os principais (filme, diretor, ator, atriz e roteiro adaptado). Enfim, a premiação do gênero tem sempre razões que a razão da critica independente desconhece. Não fosse assim e Chaplin, Hitchcock, Stanley Kubrick e tantos cineastas talentosos com filmes exponenciais teriam sido lembrados nessa premiação da indústria (e não foram ). (Luzia Álvares)

"OS MISERÁVEIS"

O prestigio do cineasta Tom Hooper depois do filme britânico “O Discurso do Rei”(2010) levou-o à redescoberta do clássico romance do escritor francês Victor Hugo, “Os Miseráveis” (Les Miserables, publicado em 1862), várias vezes filmado. Hooper não apenas se dignou a realizar mais uma versão do drama de Jean Valjean, o homem que na Paris do século XIX rouba um pão, é condenado e posto em liberdade e perseguido, daí em diante, pelo policial Javert, uma perseguição logo transformada numa obsessão. Hooper foi buscar no musical da Broadway, de Alain Boublil com roteiro de William Nicholson a partir da obra de Claude-Michel Scönberg, afinal quem levou a obra ao teatro. Mais ainda: Hooper não usou dublagem empregando vozes de cantores de opera. Colocou os próprios atores para cantar, gravando na hora da filmagem. A ousadia fez com que Russel Crowe, famoso pelo seu desempenho em “Gladiador”(2000) e outros filmes de ação, assumisse o papel de Javert e cantasse a sua gana na perseguição a Valjean, encarnado e cantado por Hugh Jackman (de “Gigantes de Aço” e os dois exemplares de “X-Men”). “Os Miseráveis” (UK, 2012) ganhou mais de duas horas e meia na tela e ousou inserir no texto original francês alguns momentos, como um confronto de espadas entre o policial e o perseguido. Mas essa liberdade ficcional sobre um livro famoso que leva o filme ao patamar da critica possivelmente está no gênero em que foi baseada esta nova versão do filme, extraida de uma peça musical. Sabe-se que o livro original é composto de cinco volumes, cada um deles priorizando um personagem que circulou na epopéia entre Valjean e Javert – Fantine, Cosete, Marius, a epopéia das barricadas e, finalmente, Jean Valjean. Desse grande painel do século XIX segue-se a crítica à miséria e a pobreza desses personagens. Possivelmente a extração de um ou outro episódio privilegiado no musical tenha favorecido os demais que os leitores de uma parte do livro de Vitor Hugo desconheçam. Quando este foi escrito, a meta foi justamente a miséria e a ausência de liberdade (vale dizer de justiça). Contam que a inspiração foi uma palavra escrita com sangue numa parede. O certo é que embora se possa pensar que “Os Miseráveis” não parece ser alvo ideal para um show da Broadway como se fez com “O Fantasma da Ópera”, ele foi sucesso por lá, daí a significação ao ser adaptado para o cinema. A platéia que aprecia opera e opereta deve ter estranhado a opção pelo musical sem cantores profissionais (vale dizer sem vozes marcantes), havendo uma escravidão da câmera à marcação teatral, evidenciando-se uma direção de arte de alto custo e belisima e uma fotografia (de Danny Cohen) a ressaltar nos tons, a época da ação. No cinema, depois de ilustres edições, esperava-se a utilização da moderna tecnologia para enfatizar o drama do pobre Valjean que mesmo galgando altos postos na vida é alvo de perseguição de uma falange legal que se mostra insensível (ou capaz de dar margem ao papel de defesa). Hooper quis inovar e seguir a linha da peça musical. E a julgar pelas candidaturas ao Oscar, este ano, parece que atingiu seu alvo. O filme é mais um incisivo diferencial nas atuais candidaturas ao mais conhecido prêmio da indústria cinematográfica. Há qualidades no filme e a mostração do desempenho dos concorrentes, carece um olhar apurado, por exemplo, quando a câmera focaliza Anne Hathaway como a pobre e doente Fantine, em close, chorando (e cantando) a sua desdita. Como o Oscar é uma “feira de amostra” sem dúvida na celebração dessa premiação há lugar para Hugh Jackman, candidato a melhor ator, ao lado de Daniel Day Lewis, o melhor Lincoln do cinema. Um desempenho esquecido nessa categoria foi a de Jean Louis Trintignant, em “Amour”. E até Bem Afleck como diretor do tão favorito “Argo”. As razões da indústria, somente a lógica do preço vai ser uma referência ímpar. E nós, que optamos pelas palmas estéticas nem sempre ficamos satisfeitos e continuamos não entendendo a lógica da academia.(Luzia Álvares)

FOGO FRIO

No auge da pirofobia originada pela tragédia da boate sulriograndense chega aos nossos cinemas “Fogo Contra Fogo”(Fire with Fire/EUA,2012). Mas o roteiro de Tom O’Connor pouco trata de incêndios. O personagem central é que é um bombeiro e a trama que o envolve parte de ter presenciado um bárbaro assassinato em uma lanchonete sendo marcado pelo assassino a ponto de passar a fazer parte da cobertura policial à testemunha, embora o que interessa a essa figura, Jeremy Coleman (Josh Duhamel), seja ele mesmo perseguir e matar o assassino. O filme dirigido por David Barret, dublê de vários filmes e diretor exclusivo de filmes e séries de TV, é como um desses teleplays que se vê em casa, num canal de assinatura, exibindo em uma narrativa dinâmica, mas sem brilho, os mais diversos “furos” e absurdos como é de praxe nos chamados “filmes de ação”, em especial, os derivados de historias em quadrinhos. Se há alguma vantagem em sair de casa para ir ao cinema em agenda de meio da tarde para ver esse tipo de programa, além do compromisso com a coluna, é o fato de ele não estimular o sono. “Fogo Contra Fogo” não é monótono. Há uma trama bem engendrada apesar de extremamente banal. E isso acontece porque o diretor sabe dar ao roteiro um ritmo ágil, com sequencias econômicas, o que vale dizer, uma edição (montagem) acelerada capaz de mandar estímulo de nossos olhos ao cérebro, suficiente para acompanhar a ação marcada por quem briga, quem morre, quem escapa de tiroteio, enfim quem se aventura em um cenário típico de “déja vu”. O melhor desempenho está com Vincent D’Onofrio no tipo do vilão David Hagan. Este ator agora muito conhecido por suas atuações em séries de TV, como a Law & Order Criminal Intent, ganhou evidencia em 1987 quando incorporou um recruta humilhado por um sargento-comandante de novatos em “Nascido Para Matar” (Full Metal Jacket) de Stanley Kubrick e quando foi obrigado a engordar 31 quilos (para o cinema atual ele está em 9 filmes em pré e pós-produção). Na época, D’Onofrio era um jovem gordinho e cara de ingênuo. Hoje pode usar a máscara de um bandido sanguinário como apresenta neste “Fogo...” que no mercado norte-americano foi logo destinado aos canais de TV e DVDs. Mas, o grande público certamente está privilegiando esse programa tendo em mente encontrar Bruce Willis, há muito apresentando uma máscara de um homem calvo, refazendo os tipos semelhantes ao que moldou em “Duro de Matar”(por sinal está com um novo titulo preste a ser lançado). Bruce não se evidenciou jamais como um bom ator, salvando-se quando se inclui em papéis onde o diretor é competente e o roteiro minimiza sua atuação. Mas neste novo personagem que está nas telas da cidade ele parece de férias. Sonolento, pouco ou nada faz. Parece que está “assinando o ponto” como um funcionário de estúdio. Ele representa um delegado que sabe onde está e como atua a principal presa, tendo clareza ainda o modo como o tipo pode influenciar na vida do rapaz protegido pela policia, embora não faça nada que ajude ou facilite a vida desse “marcado de morte” que é testenhuma-chave, daí estar ente as pessoas que recebem proteção policial integral ou são inscritos no Programa de Proteção às Testemunhas. Apenas presencia as articulações do tipo para chegar ao assassino psicopata. E a relação do filme com fogo só mesmo no final quando o “mocinho” da história constrói sua vingança, em ação do qual ele tem expertise por ser bombeiro (embora sua missão seja contrária à ação criminosa) de saber incendiar o prédio onde está o assassino que persegue. Aos olhos do espectador banca o “herói” de verdade ao salvar a namorada que está nesse prédio, embora, a princípio, desconhecesse o fato. “Fogo Contra Fogo” seria um programa melhor se fosse assisitido em casa, em DVD ou em transmissão de TV, numa sessão noturna que capitaliza o sono. No cinema é pura perda de tempo, exceto se você está indo a um shopping por outro motivo para, como se diz, “fazer hora”. (Luzia Álvares)

"LINCOLN"

Não sou fã da obra de Steven Spielberg. Seus filmes geralmente refletem um patriotismo exagerado e ao mesmo tempo velado que sempre me incomodou muito. Ele é o mestre de cerimônia do “american way of life” há décadas. Mesmo assim, sabe como dirigir um filme e em “Lincoln” provou que é um bom diretor de cinema e não apenas um mestre de cerimônia. Ao fazer um filme sobre o ex-presidente Abraham Lincoln, Spielberg soube conduzir uma narrativa inteligente onde os diálogos são fundamentais, deixando de lado os maneirismos formais característicos de sua carreira. O filme tem cenas brilhantes, diálogos reveladores e uma sensibilidade à história que é exemplar. Longe de endeusar o personagem, o roteiro permite uma aproximação real com Lincoln mostrando uma parte de vida política e seu modo de fazer o jogo do sistema para conseguir seus objetivos, no caso, a luta pela aprovação de uma emenda que daria a liberdade aos escravos e que por consequência poderia reduzir e até mesmo terminar a guerra civil americana. Revelando o caminho do poder, seus mecanismos e suas influências, o roteiro deu chance de Spielberg valorizar os acontecimentos históricos abordados realizando cenas antológicas sobre o caráter e o que o poder representava para Lincoln e a política e a América deste período. “Lincoln” é o melhor filme de Spielberg desde “Munique”. Em nenhum momento, o filme se rende a narrativa mais fácil e acessível (que o próprio diretor ajudar a construir em vários filmes que resultaram num padrão de seu sucesso). Em certos momentos, o filme é tão profundo nas suas intenções com diálogos tão consistentes e bem escritos e filmados que parecem ser uma grande peça de teatro, filmada por um mestre do cinema que soube registrar e equilibrar o melhor de cada atuação, cada diálogo, cada iluminação e enquadramento. Aqui, Spielberg se revela um diretor com talento para fazer mais e melhor. Tomara que isso aconteça com mais frequência. Não poderia deixar de comentar a atuação do grande Daniel Day Lewis que está absurdamente perfeito interpretando o protagonista. Um atuação histórica e mágica que merecer ser premiada.(Marco Antonio Moreira)

"DJANGO LIVRE"

"Django Livre” é o melhor filme de Quentin Tarantino desde o excelente “Jackie Brown”. Neste seu novo filme, a questão da escravidão, da vingança, da violência dentro e fora dos personagens e o “plágio” de várias sequências dos grandes filmes (e também de filmes menores) do gênero “western” surgem dentro do estilo do diretor que somente ele sabe como fazer e ainda ser admirado por parte da crítica e por grande parte do público. Em “Django Livre”, os personagens são bem definidos, cada um com sua função clara de construir uma história de vingança e também de amor do escravo Django que luta para reencontrar sua esposa. A odisseia deste personagem, suas dificuldades, seu encontro com um caçador de recompensas, seu reencontro com os homens que lhe maltrataram e finalmente seu êxtase final em comemorar afinal sua vingança e redenção são mostrados em cenas impactantes visualmente, com vários diálogos interessantes (e muitas vezes com uma leve impressão de “deja vu”) e também com uma clara demonstração da cinefilia do diretor que realmente foi/é/sempre será influenciado pelo cinema. Tudo isto faz de “Django Livre” um bom filme, e só. Nada demais no tema, na abordagem, na narrativa. É Tarantino, do início ao filme. É um filme que deve ser visto. E ponto. Não vejo porque a valorização demasiada da obra deste bom diretor. Neste sentido, Tarantino é bom de fazer filme mais é excelente em fazer o marketing de seus filmes que parecem ser melhores do que realmente são. Querer encontrar em seu trabalho alguma profundidade nos temas que aborda (ou copia) é missão impossível. Outros cineastas da sua geração que fazem filmes muito melhores mais que são pobres de marketing, não merecem tanta atenção da mídia e do público. Por que será? Por que será que Hollywood aplaude seu talento, as bilheterias a cada filme crescem, o público fica fascinado com as “cenas” magistrais que ele cria (ou recria) e isto é o suficiente? Sua obra é merecedora de tanta atenção? Boas questões a serem discutidas e refletidas ainda mais quando tantos filmes e diretores bons e melhores não estão sob os “holofotes” da mídia e do público. De qualquer forma, à parte das reflexões sobre sua obra, repito, “Django Livre” é seu melhor filme desde “Jackie Brown”. Como “menos” violência e exageros, Tarantino fez um bom filme que revela mais do que nunca sua arte em fazer bons filmes mais principalmente sua arte em vendê-los aos grandes estúdios e ao grande público. Será sempre assim? Cada filme seu será um evento? Espero que não. Afinal, temos mais e melhores filmes para ver e discutir. (Marco Antonio Moreira)

A LIBERDADE NÃO TEM COR

“Lincoln”, o mais novo de Steve Spilberg é filme de americanófilos para americanófilos. O que interessaria ao mundo sobre de vida de um presidente de um país estrangeiro?. Nada e tudo, digamos assim, pois aí entra a cinemagia de um cineasta de competência. Abraham Lincoln foi um político norte-americano, 16° presidente dos Estados Unidos de março de 1861 até seu assassinato em abril de 1865. Com ele se aprovou a 13º Emenda, e aí está baseado todo o ”interesse mundial” para o personagem e o filme onde a temática de um roteiro prolixo para mostrar o homem por traz de um texto documental que mudaria e traria reflexos de civilidade ao mundo ao tratar de uma das maiores práticas facínoras criadas pelo mundo moderno: a escravidão humana. Direção estupenda como sempre cabe ao cinema de Hollywood. O inglês Daniel Day-Lewis supera-se mais uma vez. Sally Fields, a irmã Beartrille da série “A noviça Voadora”, está fascinante. No roteiro há o embate político com seus fisiologismos e clientelismos tão típicos nossos, mas que já existem deste que o homem criou o sistema político. Produção de US$ 65 milhões (cerca de R$ 132 milhões) e é o campeão de indicações ao Oscar deste ano - são 12, número que o diretor só tinha alcançado antes com "A Lista de Schindler", há 20 anos. Vale cada centavo e cada palavra dirá em quase três horas de filme. Corra ! (Ismaelino Pinto)

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

TARANTINO E O CINEMA DA RECICLAGEM

 O chamado western spaghetti, subgênero cinematográfico muito popular nos anos 60, era uma forma de cinema bem sucedido comercialmente a partir dos sucessos do gênero western produzido nos Estados Unidos. Sérgio Leone é um dos seus maiores expoentes, tendo assinado obras importantes como “Três homens em conflito”, “Era uma vez no oeste” e “Por um punhado de dólares”. E o western, que serviu de base para sua releitura denominada pejorativamente de spaghetti, é considerado um gênero cinematográfico tipicamente americano, com suas paisagens em grandes planos gerais, aridez, personagens míticos, duelos e sede de vingança; elementos presentes em filmes de Sam Peckinpah, Robert Aldrich, John Ford, Fred Zinnemann, Clint Eastwood, John Sturges, entre outros.  A reinvenção de um gênero consagrado e que depois de um certo período entrou em franca decadência, encontra em outros realizadores a releitura necessária para a sobrevivência do mesmo, nem sempre merecendo o reconhecimento devido, como é o caso de Michael Cimino em “O portal do paraíso”, e na distorção das regras da narrativa clássica que Robert Altman imprime em “Buffalo Bill and the Indians or Sitting Bull's History Lesson”. Altman e Cimino vão muito além do maniqueísmo entre cowboys e pistoleiros e das cartilhas básicas que ensinam como fazer um bom roteiro. Quando falamos sobre filmes como “O portal do paraíso”, “Os imperdoáveis” ou “Era uma vez no oeste”, temos que necessariamente discorrer sobre o método Cimino de filmar, as escolhas formais de Clint Eastwood e a mise-en-scène de Sergio Leone. Mas quando a proposta é discutir a respeito do novo filme de Quentin Tarantino, “Django livre”, é inevitável a sensação de que o marketing (e a campanha publicitária em torno do lançamento do filme no Brasil e América Latina), praticamente pulverizou a tentativa de discussões maiores sobre o filme, salvo as exceções honrosas, oportunas e suas reflexões.
Se Django, ao final do filme, está livre, Quentin Tarantino continua preso a repetição de padrões narrativos e temáticos que pontuam sua carreira, com o perpétuo tema da vingança (com poucas alterações), excesso de diálogos e uma certa previsibilidade, sempre observada na reviravolta que se instala na segunda metade das narrativas sanguinolentas que invadem a tela, efeito observado a partir do sucesso “Kill Bill” (volumes I e II). Depois do reconhecimento internacional por “Pulp Fiction”, o diretor alcançaria um patamar nunca mais atingido, com o lançamento de “Jackie Brown”, um misto de adaptação literária a partir do romance “Run Punch” (de Elmore Leonard) e um tributo particular aos filmes do gênero blaxploitation dos anos 70.
O conhecimento enciclopédico do diretor, fonte de citações que conferem a ausência de um estilo próprio ou qualquer indício de autoralidade, fica explícito nas alusões aos filmes de artes marciais produzidos em Hong Kong e diretores italianos como Mario Bava, Lucio Fulci e Dario Argento. Um cinema de reciclagens, marcado pela dilatação temporal que se estende até o grand finale, em que a citação pela citação pode se render ao ritmo do vídeo game, aos comics, entre outras referências. Em “Django livre”, as gags não funcionam, as falas excessivas ocultam a falta de imagens em movimento, a bufonaria se entranha no desenvolvimento dos personagens e a tipificação maniqueísta não ultrapassa as velhas premissas de construção de tipos, com exceção do personagem interpretado magistralmente por Samuel L. Jackson. Hoje, vivemos o apogeu da visibilidade dos objetos pseudoculturais, facilmente identificados no kitsch, no popularesco, no entretenimento apelativo, no achatamento da narrativa audiovisual, e por conseguinte, na diminuição da capacidade de imaginação.
Tarantino copia outros cineastas, e se copia, num grande painel de colagens que parece indicar a indisposição para novas propostas cinemáticas, como se nada mais houvesse para ser reinventado ou recriado em um pouco mais de cem anos de história do cinema. Um simples jogo fetichista, de imagens-clichês que podem ser classificadas de revival, de revisitação e toda a ordem de palavras que anunciam o fim recriação cinematográfica, uma crise que pode ser constatada em vários segmentos da indústria cultural e a globalização perversa que importa e exporta produtos duvidosos. Assim, Tarantino supre a demanda do mercado cinematográfico atual com doses cavalares de uma estética violenta por mero entretenimento, que está bem distante do desconforto provocado por filmes recentes e perturbadores como “Precisamos falar sobre Kevin”, da violência onisciente de “Cosmópolis” e da apropriação contemporânea dos elementos do cinema western em “Drive”.
Por fim, os últimos minutos de um filme longo, que pouco acrescenta ao gênero western ou mesmo ao western spaghetti, reiteram o que Tarantino saber fazer melhor: o duelo final do protagonista em várias tomadas, montagem eficiente e aquela violência básica que tenta justificar a assinatura de seus filmes. Por razões mercadológicas, outros diretores americanos contemporâneos ainda não merecem o mesmo aparato de marketing e publicidade orquestrado pelos grandes estúdios quando se trata de um novo Tarantino. Felizmente, sempre teremos acesso (independente do suporte) aos novos trabalhos de Darren Aronofsky, Paul Thomas Anderson, Michael Mann, James Gray, Sophia Coppola e Todd Haynes.(José Augusto Pacheco)

TIROS E BALAS

A história é sintética: Um gangster (Sean Penn) e policiais a serviço do bem para fazer a ordem e da justiça. Los Angeles, cinematograficamente reconstituída, com uma direção de arte de encher os olhos, é o cenário. Falta é claro um fumacê noir, digamos assim, e já não se faz mais filmes de gangster como antigamente, mas convenhamos nada é mais como antigamente, isto para o bem e para o mal. Sean Penn mostra que a cada dia fica mais cult, com a cara mais torta e continua um péssimo ator. Tem ainda no elenco Ryan Gosling, cara nova, ator de “Drive” (pra mim, Melhor Filme de  2012), com olhar de lince que empana todos os outros. O filme tem seu charme e “Caça aos Gangster”, talvez não fique pra história do gênero, mas tem muitos momentos de puro cinema. Corra! (Ismaelino Pinto)

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

"DJANGO" DE TARANTINO

Creio que poucos cinéfilos de hoje assistiram a “Django” (Itália, 1966) de Sergio Corbucci (1926-1990). Na época, o filme não foi bem recebido pela critica como, aliás, todos os faroestes europeus (realizados na Itália ou na Alemanha), exceção dos dirigidos por Sergio Leone – “Por um Punhado de Dolares”(1964), “Por Uns Dólares a Mais” (1965) – filmes que revelaram o talento de Clint Eastwood, ainda desconhecido em sua pátria. Hoje o leitor pode consultar o site imdb.us e acessar o link “external reviews” procurando “Rotten Tomatoes”, balanço da critica norte-americana e observar os elogios datados da década que atravessamos. A revelação de Corbucci passa pelo trabalho atual de Quentin Tarantino “Django Livre” (Django Unchaned/EUA, 2012) ora vencedor de 2 Globos de Ouro e candidato a 5 Oscar (mas este diretor diz ser fã, também, de Tonino Valerii, Sergio Sollima e Giuseppe Vari). Os chamados pejorativamente “western spaghetti” caracterizavam-se pela busca de um realismo no cenário dos filmes de cowboys vendidos anos a fio por Hollywood. Surgiam personagens vestidos de capas escuras e longas, chapéus de abas largas, pouco afeitos à limpeza (ou glamour) e, no andar e fazer cercados de silencio, apenas cortados pela música geralmente composta pelo argentino Luis Bacalov (136 filmes no currículo). Essas características foram levadas por Tarantino a seu “Django Livre” como uma forma de homenagem ao subgênero que ele admirava desde jovem (assim como seu colega Sam Peckinpah (1925-1984). O cineasta hoje cultuado pela juventude e critica mostra, neste seu 17º filme, um perfeito domínio da linguagem cinematográfica mais ousada, narrando de forma linear, mas objetiva e rica, o drama de um escravo, o Django do titulo (em excelene interpretação de Jamie Foxx) que busca a esposa, Broomhilda (Kerry Washington) na fazenda de um milionário, Calvin Candie (Leonardo di Caprio) onde sofre torturas por tentar fugir do cativeiro. A busca so acontece porque Django encontra apoio no alemão King Schulyz (Christopher Waltz, extraordinário) dentista que ora se limita a ser caçador de recompensas, matando bandidos que a policia persegue. King liberta o escravo Django e os dois saem à caça de diversos perseguidos aproveitando para justiçar os cruéis escravagistas. A violência que o diretor de “Cães de Aluguel” sempre gosta de exibir não falta no seu primeiro western. Mas como aconteceu em “Bastardos Inglórios”(2009), seu trabalho anterior, esta violência se transforma em ação de “vendetta”, um temaque Tarantino persegue por ser uma reação contra perversidades. Interessante o que ele diz sobre isso ao ser questionado em uma entrevista que deu à revista BRAVO!:“A vingança é a matéria-prima da narrativa de gênero – romances baratos, tragédias gregas, dramas shakespearianos... Ver um personagem superar seus opressores é uma das emoções mais profundas que se pode ter num cinema. Quem não quer ver um escravo vingando-se do senhor malvado ou do capataz? (...)”
No filme anterior ambientado na 2ª Guerra Mundial a revanche dos oprimidos pelo nazismo ganha até mesmo uma licença cômico-dramática quando se vê Hitler e seus assessores imediatos explodirem explicitamente dentro de um cinema que exibe um filme alemão. Voltado ao velho oeste norte-americano, o objetivo da vingança é contra a ação dos escravagistas que são impiedosos para com os negros comprados em mercados específicos. Nesse tempo e espaço (Texas pouco antes da Guerra Civil), observa-se, por exemplo, um negro ser dilacerado por cães a mando do seu dono. O bastante para que o público queira ver o castigo ao malvado. Mas o castigo maior espera-se contra um outro negro, um bajulador empregado da fazenda de Calvin, o veterano Stephen (Samuel L. Jackson) que delata o plano da dupla Django & King para libertar Broomhilda. A este se pede mais do que uma bala, e este pedido da plateia é satisfeito num final literalmente explosivo e bem colocado como uma superexposição da “mecânica”do western, ou seja, do mocinho derrubando o bandido. O tratamento ao tema da escravidão, nas mãos de Tarantino não está somente nessa ação de vingança pelo que se arvora chamar de violência. O ímpeto é mostrar de que forma os brancos norte-americanos impunham sua política racista e esta ideologia introjetava-se nos próprios negros. Esse é um dos trunfos do diretor, usando um gênero de cinema e inovando a dinâmica com sua maneira de narrar. Gostei muito do filme e é provável que volte a tratar dele. Há muito mais a dizer e eu nunca fui tiete de Tarantino. “Django” mudou a minha opinião. (Luzia Álvares)

UM DRAMA DE AMOR



Michael Haneke, diretor alemão de 70 anos, reuniu dois atores octogenários, Jean Louis Trintignant (82) e Emanuelle Riva (87) em “Amor” (França/Alemanha/Austria, 2012) para protagonizarem um casal de idosos cujas alegrias compartilhadas construiram um cotidiano digno entre a profissão pública e o ambiente privado familiar. Anne e George dão aulas de música e se defrontam com a adversidade quando ela sofre uma isquemia, sem êxito cirúrgico e de evolução progressiva, e ele é quem vai acompanhá-la no tempo que lhe resta, nos estertores da dimensão cotidiana que favoreceu os dias vividos, criando hábitos salutares, na composição de uma relação ambiente amigável e plena de ganhos pessoais e profissionais. Revi o filme num cinema comercial. A sala esteve quase lotada por quem assistiu em silêncio o drama que jamais se arrisca às facilidades das obras sentimentais e exibe uma narrativa primorosa no acompanhamento das personagens que, em tese, fazem o filme funcionar. Haneke não discute a perenidade do amor. Exibe a dor sentida pelos amantes idosos, usando diálogos bem colocados e de expressões que transmitem os sofrimentos de mulher e marido a ponto de o espectador sentir como se fossem velhos conhecidos ou mesmo parentes próximos. Há um dialogo de George (Trintignant) com a filha (Isabelle Hupert) muito ilustrativo do que ele está sentido. Ao ver o estado da mãe, a filha pede que o pai tome providencias, que leve a mulher de volta ao hospital, pois “hoje a ciência tem mais recursos para a cura”. Ele responde: “-Você está livre para pesquisar”. Também há outro momento-síntese: um pombo invade o apartamento de George e Anna e ele tenta segurar a ave. É uma segunda vez (visto que a primeira visita da ave recebeu dele uma recusa e a entrega para a liberdade, pela janela) e desta, com as portas e janelas hermeticamente fechadas, George consegue jogar seu casaco sobre o pombo. Segura-o contra o peito e fica, trôpego, em uma cadeira. Dessa sequência, outra se segue, mas a ave não é mais vista. A busca, nesse caso, não está no plano físico, se o espectador avaliar essas duas sequências e reconhecer a representação desses momentos. O emblema proposto é a prisão do casal em uma condição de irreversibilidade diante da doença, e a impotência de um retorno aos velhos hábitos.
“Amor” é um sentimento que se arrisca a filmar. O que se vê são pessoas que tentam dar substância ao poder de uma união que passa longe do meio século. E os tipos são músicos. A musica só é lembrada na construção narrativa quando executada por alguém (pianistas quase sempre). O mais é silencio. A distância que se faz da música erudita que seria não apenas o objeto profissional dos tipos focalizados, mas a constatação de um comportamento adquirido em uma proposição cultural de alto nível. Não se pode dizer que o filme é só diálogo, embora seja de uma grande riqueza nesse quadro. Em mais de um momento a câmera desloca-se pelo ambiente onde vivem George e Anne. As estantes cheias de livros, os aparelhos de som, o piano, o bule e as xícaras de chá, a arrumação detalhada, tudo serve para indicar como vivem os moradores e, em contrapartida, como se sentirão quando passam a enfrentar uma situação de dor. Emanuelle Riva exibe a máscara da enferma em agonia. Poucas vezes vi no cinema expressões tão pungentes. Mas não se deixa por menos o que faz Jean Louis Trintignant. O ator que aplaudimos em obras como “O Conformista” (1970) consegue incorporar as idiossincrasias geracionais, do andar ao falar, e como se esses fatores fossem caros à sua própria idade, sabe demonstrar o quanto lhe pesa, gradativamente, ver sua companheira definhando e ele sem poder interromper este processo. A raiva que sente pela impotência se expressa na bofetada que dá no rosto da esposa inerte que lhe cospe e vomita. Isto reflete o sintoma da condição humana. Não somos infalíveis nem santos, mesmo diante de quem amamos até a morte. “Amor”é o superlativo dramático que o cinema pode conseguir. Uma obra-prima que será lembrada com certeza daqui a mais anos. (Luzia Álvares)

"LINCOLN" 2012

Lamar Trotti (1900-1952) roteirista de cerca de 60 filmes e 3 vezes premiado foi quem escreveu o roteiro do mais interessante filme sobre Abraham Lincoln, o presidente norte-americano mais cultuado ate agora: “A Juventude de Lincoln”(Young Mr Lincoln/1939) dirigido por John Ford. Mas antes deste filme e depois dele muitos mais focalizaram o personagem histórico. Agora é a vez de Steven Spielberg em “Lincoln”(EUA, 2012), tendo como base o livro biográfico escrito por Doris Kearns Goodwin, através de um bem estruturado roteiro de Tony Kushner. Doris, PHD em Ciência Política pela Harvard University, autora de outros livros sobre presidentes norte-americanos, é casada com um diplomata, Richard Goodwin, considerado muito influente na deposição do presidente brasileiro João Goulart, em 1964. O filme de Spielberg prende-se ao debate sobre a emenda constitucional que daria liberdade aos escravos, a aprovação da 13ª Emenda. Nessa época estava em processo a guerra civil, mais conhecida como Guerra de Secessão (1861-1865), com o sul do país pugnando pela manutenção de seu status agrícola, e totalmente contra a emenda de Lincoln, posto que avaliava imprescindível a mão de obra escrava (leia-se negra) para a plantação e colheita do algodão, sua base econômica. Segundo a narrativa do filme, que não dá concessões ao espetáculo (o comum em filmes de Spielberg), a política de Lincoln, recém-reeleito à presidência dos EEUU, não se prendia a favores aos denominados confederados (o sul havia criado uma Confederação para lutar contra o norte), tanto que não aceitou a imediata rendição das tropas sulistas em troca da retirada da emenda em plenário (isto depois de ela já estar dependendo dos deputados, com aprovação do senado – ou Upper House). O presidente queria ver escravos livres mesmo que em setembro de 1862 já houvesse proclamado a Lei de Emancipação, vigorando em janeiro de 1963. E o filme aponta um dos motivos desse desejo num dialogo que ele mantém com negros soldados logo na primeira sequencia do filme. É interessante observar o despojamento do Chefe de Estado quando é evidenciado que ele perdera um filho no conflito e estava na iminência de perder o segundo que desejava ir para o campo de batalha sensibilizado com o numero de mortos que chegavam às terras de União (norte). O filme é um grande discurso político que pretende evidenciar o caráter de um mandatário humano, de quem compreendia que se um país se dizia cristão e democrático, evocando as palavras divinas de que “os homens foram feitos iguais”, tão enfatizado pelos Pais Fundadores, estaria cometendo um paradoxo ao acobertar o preconceito racial. “Lincoln” é um painel honesto sobre um recorte histórico da História Americana. E muito deve ao roteiro e ao ator Daniel Day Lewis, no papel principal. Maquilado de forma a parecer fisicamente com o biografado, Lewis, já detentor de 2 Oscar (por “Meu Pé Esquerdo” em 1989, e “Sangue Negro”, em 2007) deve ganhar o seu terceiro (e ele ainda chegou a ser candidato por “Em Nome do Pai”/1993 e “Gangues de Nova York”/2002). O ator passou anos trabalhando esse protagonismo e chegou a ensaiar um gestual que foi descrito, na biografia de Lincoln, como típito desse líder político. Impressiona o gestual. Mas o que salta do conjunto é que um filme longo (mais de duas horas e meia de projeção) e pousado em falas, consegue atrair plateias com vivo interesse. Não é possível criticar como “não cinema” um filme que apresenta extensos diálogos. Não bastam as brilhantes frases que se ouve (ou lê). Um elenco bem conduzido, uma produção bem cuidada, uma edição que sabe jogar com o “timing”(tempo de sequência) todo um conjunto técnico-artístico colabora para que o trabalho do conhecido diretor de “Tubarão” seja mais do que uma homenagem. É, como eu mencionei, um documento histórico. Mesmo porque, a não concessão para evidenciar o jogo político construido nos bastidores do poder entre os personagens diretamente envolvidos no interesse do presidente em aprovar a 13ª Emenda nesse momento, mostrou que somente nessa base, entre barganhas e acertos interpares, Lincoln conseguiu a vitória para a emenda apresentada. Como ele dizia, é agora ou nunca, quando o fim da guerra ainda não fora definido, que será possivel a aceitação da proposta, seguindo-se o fim dos confrontos norte-sul. Embora o filme explicite o entorno da ingerencia política entre os legisladores e o executivo, dando uma aula sobre o legislativo americano, sem duvida atiça o interesse do público em busca de mais informações sobre o episódio. Filme imperdível! (Luzia Álvares)

CAMINHO DO "OSCAR"

Estou preparado para dormir tarde no domingo, 24/2, quando a TV transmite a entrega dos Oscar. É uma tradição. E quase sempre uma perda de tempo(e sono). No ano passado eu estava como tiete de clube apostando no que deu: “O Artista”. Este ano meu preferido vai perder na categoria “major” e ganhar na de “filme estrangeiro”(“L’Amour”).Mas vejam lá o meu mapa: ‘Amor” é duro, deprimente, mas cinema grande como vê um casal no fim da vida com ele tentando diminuir o sofrimento dela. Na segunda vez em que vi o filme me perguntei de que vale exibir sofrimento tão grande. Será só para os atores mostrarem o quanto valem ? Mas a verdade é que a dimensão do amor, segundo o cineasta Michael Hanek, é medida, realmente, na dor. Quando a dor por um é maior do que o seu próprio instinto de sobrevivência é a medida certa de um amor total. Ele pensou assim e fez seu filme denso e honesto.Bom demais para uma peleja como o Oscar. Vai perder com o filme em geral e ganhar como estrangeiro. “Argo” me fez ficar na ponta da poltrona, agoniado pelo destino dos americanos que fugiam do Irã pós xá. Ben Affleck como diretor conseguiu um ritmo vertiginoso, aquilo que se chama de suspense. Pena é que no fim ele estique a ação e mostre o herói chegando em casa, abraçando a mulher e lá no fundo do plano a bandeira nacional. OK foi um triunfo da inteligência dos EUA. Mas a verdade é que os iranianos são vistos na ótica de vilão estereotipado: mau e burro. Vale pela narrativa, pela edição, pela síntese com que se trata a historia. Esquecendo o fim é ótimo. “Indomável Sonhadora” é uma surpresa. Neorrealismo independente da Louisiana, focando uma família a deriva numa carcaça de barco em meio à inundação de sua terra. Imagens sem glamour, com um elenco tão afiado que parece tipos de documentário. E a menina Quvenzhané Wallis repete a Shirley Temple na corrida do Oscar. Tinha 5 anos quando filmou. Hoje tem 9. Um prodígio! Belo filme. “Django Livre” me fez comprar um pacote de DVDs de “faroeste espaguete”. Detestava o gênero no tempo em que ele parecia formiga em açucareiro. Hoje, depois do filme de Tarantino, fiquei com vontade de reciclar meu juízo dos cowboys sujos e cruéis dos Sergios(Leone e Corbucci) e agregados. Muito ketchup derramado era a formula. Parece que a turma fazia pirraça ao Código Hays, aquela regra puritana de Hollywood que pasteurizava tudo. O western de Tarantino apostou firme na luta contra a escravidão negra. Afinou com o “Lincoln” de Spielberg mas não creio que pegue Oscar alem do coadjuvante fantástico que é Chris Waltz. “Os Miseráveis” é um saco. Lembrei as velhas operetas mas nelas estavam vozes como a de Jeantte MacDinald, soprano interessante. Aqui se faz nova leitura de Victor Hugo tão liberada como Russel Crowe feito Javert, o policial maluco que não perdoa Jean Valjean(Hugh Jackman).São mais de duas horas mal cantadas. Vale a produção e fotografia. Mas se der Oscar vai ser o de Anne Hathaway(coadjuvante). Mais por seu currículo. “As Aventuras de Pi”é produto da versatilidade do diretor Ang Lee.Ele vai dentro da cultura indiana e põe um tigre digital assombrando o ator Surai Sharma. Deve ganhar efeitos visuais embora tenha pela frente Batman & Co. “Lincoln” nem parece de Spielberg.São mais de duas horas e meia de projeção dedicadas à luta do presidente norte-americano para aprovação da emenda constitucional que liberta os escravos. Isto na época em que acontecia a guerra civil. Dificilmente Daniel Day Lewis não bisa o Oscar(já levou 2). O filme é correto mas pousado nas falas o que dificilmente empolga os eleitores da Academia de Hollywood. “O Lado Bom da Vida” é um exemplar de comédia romântica americana com uma puxada em psicologia de personagens, o que a torna menos digerível. Não traz nada de novo. Nem Jennifer Lawrence, favorita para o Oscar de atriz contra a grande Emanuelle Riva(de “Amor”). Um amigo chamou de “romance de maluquinhos”. Correto. E dá happy end. “A Hora mais Escura” está no páreo por conta da missão de matar Bin Laden .O fato histórico passa na superfície. Há um cuidado no documental, mas este cuidado não passa nos meandros políticos que cercaram a “caça” ao inimigo numero um dos EUA. No Oscar a diretora Katherine Bigelow dificilmente reprisa sua zebra de “Guerra ao Terror”. Pode dar a atriz Jessica Chastain, outra que disputa com Emanuelle Riva.(Pedro Veriano)

"LINCOLN"


“Lincoln”,o filme de Steven Spielberg, serve até de desagravo ao terrível “Lincoln Caçador de Vampiros” exibido ano passado.Por sinal que piadas informam de uma espectadora reclamando não ter visto vampiros atentando o ator Daniel Day Lewis (por sinal um grande interprete em outro gol de placa). Talvez tenha sido a mesma senhora que desejou colocar seu filho de 5 anos para dentro do cinema que passava “Django Li vre”. Reclamou ao barrarem o moleque: “_Não é livre? ”Vai ver que é a mesma que alugou o DVD de “Beethoven” de Abel Gance e devolveu reclamando a falta do cachorro(da série “Beethoven”). O filme de Spielberg não se parece com nada que o pai do tubarão fez em tantos anos e vezes. É denso, duro na proposição de tratar apenas de um debate político, centrado no tema sem desviar nem mesmo para a mãe que perdera o filho na guerra e reclamara ao marido Chefe de Estado.
Passei duas hora e meia na sala fria sem me cansar. E pensei que fosse um sacrificio. Não gosto de teatro-filmado e penso cinema como movimento. Mas rendo-me a quem faz movimento a partir da palavra, usando-a com propriedade e bem pronunciada. Se vai ganhar Oscar não sei. Há um “Argo” pela frente com aquele final de patriotada que me irritou. Mas sei que o Lincoln de Spielberg condensado do livro de Doris Kearn Goodwin, vai ser citação obrigatória quando se tatar do assunto por anos adiante.(Pedro Veriano)

MIL BALAS

O diretor Quentin Tarantino consegue subverter sua própria superação. No inicio, nos diálogos verborrágicos de personagem Schultz, ele já diz que quer “parlamentare”, italianíssimo como o ra “western spaghetti”que vamos saborear a seguir. A subversão, digamos assim, começa com a supremacia e o pedido de ajuda da America branca para um negro em plena guerra civil e mais, no velho oeste, ainda sendo descoberto pelo mais original americano wasp. A partir dai, Tarantino assina tudo a toque de mestre. As referências vão desde as baladas country campeiras, típicas do faroeste até o mise-en-scene bala - revolver que veremos em todo filme. Referencias caem aos borbotões, mas nada de releituras e sim de homenagens reavaliadas. Jammie Fox, é genial. Há ainda Franco Nero, tipo italiano, com uma participação emocional. Di Caprio, cada vez mais ator total e uma trilha subjetiva de cortar os pulsos de deliciosa. “Django Livre” é cinema puro de quem ama todo este espetáculo. Corra ! (Ismaelino Pinto)

domingo, 3 de fevereiro de 2013

"DJANGO LIVRE"


Django Livre (Django Unchained, EUA, 2012) escrito e dirigido por Quentin Tarantino se localiza nos EUA, no ano de 1858, dois anos antes do início da Guerra Civil, período em que a escravidão negra estava estabelecida nas fazendas americanas e, também, quando caçadores de recompensas podiam, sob a proteção da justiça, prender e até matar pessoas acusadas de roubos e assassinatos. Época de exacerbação da violência, um tema normalmente presente na obra de Tarantino. O filme é forte, muito bem desenvolvido cinematograficamente em uma narrativa fluente, dramática, com situações de extrema violência externa, mas envolvida por elementos que a colocam em cheque como solução no contexto geral. Não tem função apenas plástica, mas está inserida na análise global das situações e condicionantes sociais e econômicos do momento.O Dr. King Schultz (Christoph Waltz), apresentando-se como dentista, interrompe uma marcha de escravos conduzida pelos irmãos Speck. Ele procura um escravo que conheça e possa identificar os irmãos Brittle. Django (Jamie Foxx), um dos cativos, se manifesta, ele é capaz de atender ao pedido de Schultz que, por isso, tenta comprar o escravo. No entanto, um dos irmãos prefere matar o dentista, ele vê em Schultz um inexpressivo e dócil negociante. Engana-se. Schultz o mata e atira na perna do outro. E a negociação se efetiva: King paga ao ferido, por Django e pelo cavalo do morto, solta os escravos oferecendo-lhes duas opções: levar o sobrevivente para a cidade ou matá-lo. Na verdade, King Schultz é um caçador de recompensas. Ele, então, designa Django seu auxiliar e o convence a se associar a ele com participação nas recompensas. De início Django reage, mas acaba aceitando a proposta, Schultz o fez passar por um teste de fogo e a uma explicação que o convenceu.Caçar ladrões e assassinos é uma tarefa perigosa, mas Schultz, um homem de rara inteligência, aplica estratégias inusitadas extremamente arriscadas, mas eficazes. Essas estratégias dão ao filme um caráter de novidade, são criativas, instigantes e intrigantes e sustentam um clima de suspense na narrativa. Em alguns momentos as explicações dadas por Schultz para garantir o sucesso de suas caçadas, além de serem muito bem elaboradas do ponto de vista lógico, trazem toques de bom humor que aliviam o clima de tensão. Há uma sequência cômica quando um fazendeiro vai liderar um ataque. Seus acompanhantes usam sacos brancos nas cabeças lembrando a Ku Klux Klan (KKK). Quando se preparam para a ação percebem que os sacos impedem que enxerguem bem. Para melhorar a visão, alguns abrem mais os buracos na direção dos olhos, mas sem sucesso, alguns até rasgam o capuz improvisado. Diante das reclamações um deles se aborrece, se considera ofendido, pois quem dedicou tempo a preparar os sacos foi sua mulher. Essa sequência, de preparação da violência, torna-se risível e soa, também, como uma crítica à organização racista. Mas não é só caça a malfeitores que sustenta o filme. Django é casado com Broomhilda Von Shaft (Kerry Washington), escrava como ele e que, antes, havia sido serva de uma senhora alemã. Aliás, King Schultz é, também, alemão. King e Django, além de sócios, tornam-se amigos e a busca pela mulher de Django se incorpora à caçada aos bandidos.Com os dois objetivos em mente, chegam à fazenda de Calvin Candie (Leonardo DiCaprio), local onde duas fortes personalidades vão se enfrentar em confronto psicológico e físico: Schultz e Candie. E com a participação do velho Stephen (Samuel L. Jackson), um escravo liberto extremamente afeiçoado a Candie, já o fora ao pai dele e é uma espécie de conselheiro do fazendeiro. Mas o confronto final é entre Django e Stephen.Na verdade, a fazenda dos Candie retrata, em cores fortes, aspectos significativos daquele momento histórico nos EUA: brutais proprietários de terras administrando com extrema violência suas fazendas com a exploração do trabalho de escravos, gerando conflitos na ocupação do extenso território americano, alguns dos condicionantes para a explosão da Guerra Civil. Tarantino foi muito hábil na criação dos personagens porque cada um deles representa e concentra características das vertentes sociais do momento; os exageros estão pela necessidade de síntese e da contundência própria do estilo do cineasta.A morte dos ocupantes e a destruição da mansão dos Candies em uma grande explosão e incêndio, sob as vistas de Django e Broomhilda, definem claramente os vencedores, com o toque romântico do casal reunido, o amor também venceu. Uma variação de soluções semelhantes já utilizadas e ao gosto de Hollywood, mas que ficou muito bem colocada em Django Livre, (Unchained), Django desacorrentado. (Arnaldo Prado Junior)

O ano de 2012 e a grande reverência ao cinema

O ano de 2012 ficará marcado como aquele em que o mundo quase acabou por conta de um mau entendimento do calendário do povo Maia. O ano findou e nada aconteceu, mas o cinema continuou a nos encher os olhos com sua magia e encantamento. Numa breve retrospectiva, 2012 ficará na lembrança como aquele ano em que vimos duas belas homenagens à Sétima Arte com “O artista”, de Michel Hazanavicius, e “A invenção de Hugo Cabret”, de Martin Scorsese. Os dois filmes, em seus momentos, mostram como se deu o início do cinema, de forma contrastante. Se em “O artista”, temos o cinema mudo e em preto & branco, em “A invenção de Hugo Cabret”, a história de como o cinema se iniciou, com roteiro e efeitos especiais, relembrando o pioneiro Georges Méliès, Scorsese apostou no formato 3D e não decepcionou. Os dois filmes disputaram, palmo a palmo, os Oscar 2012, e ficaram com cinco estatuetas cada um, com uma leve vantagem para “O artista” que foi o melhor filme. O 3D teve seu momento de consolidação em 2012. Ou alguém poderia imaginar que esse formato brindaria o público com um documentário? O diretor alemão Wim Wenders fez de “Pina” uma homenagem, tanto ao cinema, quanto à bailarina alemã Pina Bausch, em 3D e em belas imagens e cores. No finalzinho do ano, chegou aos cinemas “As aventuras de Pi”, de Ang Lee, onde o 3D é quase um personagem da história, tal a sua importância dentro do roteiro. Os filmes citados estiveram presentes nas listas de melhores do ano dos integrantes da Associação de Críticos de Cinema do Pará (ACCPA), mas o grande vencedor, segundo a tradicional eleição, foi “A separação”, de Asghar Farhadi, que ganhou quase todos os prêmios que disputou no ano passado, incluindo o Globo de Ouro e o Oscar, como melhor produção estrangeira. Para ACCPA, depois do primeiro lugar de “A separação”, a lista seguiu com “Pina”, “Fausto”, de Alexander Sukorov; “A invenção de Hugo Cabret”; “O artista”; “Shame”, de Steve McQueen; “Drive”, de Nicolas Winding Hefn; “Intocáveis”, de Eric Toledano & Olivier Nakache; “Precisamos falar sobre Kevin”; e “Cosmópolis”, de David Cronnenberg. “Fausto” trouxe de volta o preciosismo de Sukorov para (re)contar a história do homem que vendeu a alma a Mefistófeles, em imagens que beberam em fonte das artes plásticas. Um filme de belas imagens e interpretações viscerais. Em “Shame” brilhou a estrela de ator alemão Michael Fassbender, que foi um dos mais vistos nas telas em 2012. Com ele no elenco, os filmes “Um método perigoso”, de David Cronnenberg, e “Prometheus”, de Ridley Scott, ganharam um quê a mais. Mas de “Shame” é sempre bom lembrar a participação da atriz Carey Mulligan, especialmente na cena na qual ela canta “New York, New York”. “Drive” trouxe o talento do diretor Nicolas Winding Hefn e a presença do, agora, super disputado, ator Ryan Gosling. Aposte neste nome, assim como em 2012, ele será um dos mais quentes nomes de Hollywood daqui em diante. Veio da França um dos maiores sucessos naquele País e que saiu conquistando público e crítica por onde passou. “Intocáveis” é baseado numa história real e mostra uma trama simples, direta e cativante sobre uma amizade que tinha tudo para dar errado e se concretiza numa homenagem aos amigos de verdade. “Precisamos falar sobre Kevin” é daquelas histórias que não deixam o público indiferente. Com uma interpretação inspirada de Tilda Swinton, o filme busca mostrar como a tragédia dos assassinatos em massa, muito comum nos EUA, se germina e se torna realidade. Já em “Cosmópolis”, Cronnenberg coloca o ator Robert Pattinson como um milionário que, de dentro de sua limusine, vê uma sociedade se desmoronando. Woody Allen contribuiu com sua produção anual, desta feita com “Para Roma com amor”, que se não é um de seus melhores filmes, ainda fica acima da média. Os diretores brasileiros Fernando Meirelles e Walter Salles também mostraram suas mais recentes produções. O primeiro com “360” e o segundo com “Na estrada”, versão cinematográfica do livro homônimo de Jack Kerouac. Nos grandes festivais de cinema pelo mundo, tivemos em Berlim a vitória de “César deve morrer”, de Paolo e Vittorio Taviani (da Itália); em Veneza, o vencedor foi “Pieta”, de Kim ki-duk (da Coréia do Sul); e em Cannes, a Palma de Ouro ficou com “Amor”, de Michael Haneke (da França). Os três chegam aos cinemas agora no início deste ano. No Brasil, o grande premiado no Festival de Gramado foi “Colegas”, de Marcelo Galvão, num filme que se utilizou de atores amadores portadores de Síndrome de Down. No Festival de Brasília, o Candango de Melhor Filme foi dividido entre “Era uma vez eu, Verônica”, de Marcelo Gomes, e “Eles voltam”, de Marcelo Lordello. No Festival do Rio, o melhor filme foi “O som ao redor”, do novato pernambucano Kleber Mendonça Filho. Por falar em cinema nacional, o ano foi de boas bilheterias para filmes que optaram pelo caminho da comédia ligeira e ter no elenco nomes conhecidos da televisão brasileira. Que o digam “E aí, comeu”, de Felipe Joffily; “Até que a sorte nos separe”, de Roberto Santucci; “Os penetras”, de Andrucha Waddington; e “Gonzaga - de pai pra filho”, de Breno Silveira, este uma exceção, assim como é “Xingu”, de Cao Hamburgo, que se mostram produções diferenciadas do que se produz atualmente no cinema nacional. As histórias em quadrinho continuaram a chegar aos cinemas, com bilheterias assombrosas. “Os vingadores”, de Joss Whedon; “Batman – O Cavaleiro das Trevas ressurge”, de Christopher Nolan; e “O espetacular Homem-Aranha”, de Marc Webb, ficaram semanas em cartaz, com muito público. Sem esquecer que o agente britânico 007 chegou aos 50 anos e mostrou em “007 – Operação Skyfall”, filme de Sam Mendes, umas das melhores histórias com James Bond. Em 2012, o Cine Olympia completou 100 anos de funcionamento, sempre no mesmo lugar, com mesmo nome e sem ter parado de funcionar por longos períodos. O centenário foi comemorado com um seminário que teve a presença dos críticos de cinema convidados como os paulistas Maria do Rosário Caetano e Luiz Zanin Oricchio, além de festivais de filmes dos diversos gêneros cinematográficos. Também em 2012 foi celebrado os 50 anos de fundação da ACCPA, que se iniciou em dezembro de 1962 como Associação Paraense de Críticos de Cinema (APCC). (Dedé Mesquita)

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

"DETONA RALPH"


Os créditos em forma de videogame já anunciam que o filme bebe diretamente nessa fonte. E “Detona Ralph”, ao contrário de outros filmes que foram adaptados de games, prova que as duas linguagens podem ser combinadas para formar um produto harmonioso e de alta qualidade. Ali, nos créditos iniciais, não aparece a luminária da Pixar, apenas o castelo da Cinderela e o nome Walt Disney Studios. Mesmo assim, o que o diretor Rich Moore fez, ao contar a história de um vilão de um jogo que quer ser o herói e para atingir esse objetivo coloca todo o arcade onde vive em risco, foi repetir a fórmula de sucesso da ‘casa das ideias’: contar uma história que valoriza a aceitação social e faz uma ‘elegia’ à amizade, sem pieguice.
É impossível assistir “Detona Ralph” e não fazer comparações, por exemplo, com “Monstros S.A.” – cujaprequel, “Universidade dos Monstros”, é um dos lançamentos mais aguardados este ano – já que temos, no plano principal, a relação entre Ralph e a pequena Vanellope como aquilo que desencadeia os fatos na história.E aqui, as referências à cultura pop e piadas com jogos, consoles e personagens queridos é abundante, o que dá um sabor diferente a “Detona Ralph” – fora que é incrível perceber como o ‘layout’ de cada personagem/jogo foi mantido com maestria, além da trilha sonora que evoca desde o barulho quando o pac-man come até a música de “Metal Gear Solid”, tudo com muita graciosidade. Enfim, muito dinheiro deve ter sido gasto com direitos autorais das fabricantes, mas o investimento valeu a pena.

 
Acerto comprovado através de bilheteria e prêmios

A animação concorre ao Globo de Ouro no próximo domingo – e esta no páreo para ir ao Oscar -, e é realmente a prova inconteste de que a Disney fez a lição de casa, focando o enredo (original) na figura de Ralph, um vilão que quer parar de detonar as coisas, mas para isso precisa adquirir um objeto que faça os moradores do seu game o valorizarem.
Na bilheteria, o acerto foi sentido logo no fim de semana de estreia nos Estados Unidos, quando o filme arrecadou R$ 49 milhões e se tornou a maior bilheteria de abertura de uma produção da Disney.Uma cena que comprova isso é a hilária reunião de vilões anônimos, onde Ralph busca conselhos de um zumbi, robotinik (Sonic), Bowser (Mario), Sub-zero (Mortal Kombat), Zangief (Street Fighter) e outros ícones da maldade em 8, 16, 32, 64 bits. Todos estão deprimidos e inseguros, fazendo falas de aceitação e repetindo frases como ‘eu sou mau e isso é bom... Nunca serei bom e isso, não é mau’.O público infantil vai amar a história, em especial a fofa Vanellope, mas é o público adulto quem dará muitas gargalhadas e deixará escapar algumas lágrimas quando aparecer uma peach ali, um link acolá, a fase bônus da garagem do street fighter e até uns gritinhos de ‘ah’ quando um console Nintendo é achado no depósito do “Tapper”. A nostalgia é equilibrada com boa dose de aventura quando Ralph sai do seu jogo e logo aciona o fator de risco – ele pode ficar preso em outro jogo e se tornar um personagem ‘turbo’ (se explicar estaria estragando uma importante peça da trama) ou sua ausência pode gerar o desligamento do “Conserta Félix Jr.”

Um passeio pelo mundo do fliperama
Na versão original – que só poderá ser apreciada em casa, já que somente cópias dubladas chegaram a Belém - John C. Reilly empresta seu perfil um tanto ‘bronco’ ao grandalhão Ralph, cansado de esmagar tijolos e destruir o prédio do game “Conserta Felix Jr.”, um game de consoles como Atari que completa 30 anos.A ocasião é a gota da água e Ralph se cansa de viver no lixão. Ele sai de seu jogo (algo que é quase proibido no seu arcade, uma espécie de estação central, onde fiscalizadores mantém a ordem e os jogos ficam situados). E os jogos que são realmente explorados pela narrativa, estão ali para maravilhar os olhos e compor painéis diferentes de personalidades daqueles seres, como numa sociedade do mundo real. Ralph para primeiro em uma mistura de “Starcraft” com “Perfect Dark”, onde luta contra aliens. O problema é que ele acaba trazendo um bichinho consigo. A grande estrela da série musical “Glee”, Jane Lynch, dá a mesma pinta de braba de Sue Sylvester à atiradora Calhoun, que segue atrás de Ralph e do alien pelo mundo dos games.Felix também está preocupado e vai atrás do vilão, que entra num jogo chamado “Corrida Doce”, onde conhece a espevitada Vanellope. Os comediantes Sarah Silverman e Jack McBrayer fazem as vozes de Vanellope e Felix.Ela tem um sonho e cabe a Ralph empreender a jornada do verdadeiro herói, sem abrir mão de algumas atitudes pouco corretas, para fazer a menina ganhar, salvar o dia e ter seu final feliz. Até um ‘bug’ a Disney acrescentou nessa fase do filme, o que mostra a integração com a linguagem dos games.
Algo tão edificante e emocionante como “Detona Ralph” pode até ser produto da Disney, mas tem a cara de outro, e olha que Rich Moore é cria da Pixar (ele é mais conhecido por seu trabalho com “Os Simpsons”). Quando sobem os créditos finais, lá está o nome do fundador e diretor criativo da ‘casa das ideias’, John Lasseter, como produtor executivo.(Lorenna Montenegro)

 

"O IMPOSSÍVEL" - NOS BASTIDORES DA CATÁSTROFE


O gênero  filme-catástrofe  foi  muito  explorado por Hollywood  e fez  muito  sucesso de bilheteria  nos  anos  70. São  clássicos  como “Inferno  na  Torre” (1974), “Terremoto” (1974), “O  Destino  do Poseidon” (1972) dentre  tantos  que  usaram e  abusaram da  fórmula que  recriava  o  pavor através de  imagens  grandiosas da destruição   material e  humana. Houve  uma  tentativa de retomar o gênero com “TITANIC” (1997), “O DIA DEPOIS  DE  AMANHÔ  (2004) e “2012” (2009), este   acompanhado  do marketing  das falsas  profecias sobre  o fim  do  mundo. Ficou provado que  as  catástrofes naturais ou provocadas pela soberba do homem - não  importa  se  na ficção  ou se  no  outro continente em tempo  real  do  noticiário via  satélite – ainda mexem com o imaginário do público que  vai  ao cinema  buscando  entretenimento.
“O Impossível” (2012) produção espanhola e americana do  diretor  catalão Juan A. Bayona  é  uma  dessas extraordinárias  histórias que parecem tiradas  da  seção ‘Histórias  Incríveis’ da  Reader’s  Digest . É uma  história real que levada às  telas do cinema vai além do entretenimento e  dá a grandiosidade e dimensão do que  ela  realmente representa  para a humanidade. Não é apenas  um  filme-catástrofe   com  cenas dantescas e efeitos  especiais de encher os  olhos. Na  verdade, os  olhos  do público se  enchem inevitavelmente de outro modo ao ver as situações limite de uma  família desmembrada violenta e dramaticamente pelo   tsunami de 2004 e que luta para não  morrer em meio ao completo caos. Talvez o  grande  mérito do  filme  seja  o foco do diretor em não  perder-se numa narrativa que se sujeitasse aos apelos  das   cenas de caos e  devastação deixados  pelo desastre   natural  que marcou  o mundo num dia  de natal  de  2004, mas  inteligentemente ele privilegia os   bastidores do dia seguinte daquela  catástrofe  bíblica   mostrando a impotência de uma família e das centenas de  pessoas diante de um acontecimento de tal  magnitude.  Outro mérito do filme é que não se trata de uma ‘tragédia americana’, mas de um evento universal se observado como  um microcosmo onde haviam pessoas de várias partes do mundo. A  história  da  família  do casal Henry e Maria que busca se reencontrar é  apenas  uma  das  centenas de histórias  de sobreviventes da  mesma  tragédia e que  o  mundo  não ficou  sabendo. É bom  lembrar que na adaptação  para  o cinema a família de espanhóis é representada por  uma família britânica.  Dentro desse microcosmo resultado do  cataclisma  prevalece a ideia do objetivo comum do ser humano na busca e esforço mútuo em amenizar o sofrimento e a dor de todos. Ali todos são  iguais sejam  europeus, americanos ou asiáticos.

A sequência da chegada do tsunami não  dura talvez  mais  que  15 minutos no filme, no entanto   é de um realismo impactante. Tomadas debaixo d’água e grandes planos abertos aleatórios só tentam  mostrar o que  foi aquele  fatídico dia. Mais  uma  vez a técnica e os efeitos especiais bem dosados a  serviço de uma  boa história  é um dos segredos  do filme.   Outro  bom  momento é a curta participação de Geraldine  Chaplin como a desconhecida  sobrevivente que trava um diálogo sobre a eternidade das  estrelas  com  uma das  crianças da  família. É também uma  das poucas pausas de respiração durante o fundo  mergulho no sofrimento e dor  vividos pelos personagens principais. Vale mencionar  as  ótimas atuações de Ewan McGregor e Naomi Watts que emocionam a plateia  mesmo sem  a ajuda dos “mil violinos” da trilha  sonora que surge para intensificar  a comoção. O elenco  por si só consegue dar o tom e a atmosfera  necessários  à  cena.
O Impossível pode ser visto como  o milagre  da  determinação e capacidade do ser  humano de  lutar  pela sua sobrevivência  mesmo em meio a dor  e  a adversidade. E a maior demonstração de humanismo  é a da personagem Mary ao seu filho mais  velho   que  o  faz  refletir no quanto vale a pena se  colocar no lugar do  outro. O Impossível é  um ótimo  filme! (Elias Neves)

 

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