domingo, 21 de julho de 2013

"ANNA KARENINA" NO CINE ESTAÇÃO



Com direção de Joe Wright (“Orgulho e Preconceito”, 2005; “Desejo e Reparação”, 2007), roteiro de Tom Stoppard e fotografia de Seamus McGarvey, a mais nova versão de “Ana Karenina”(UK, 2012), baseada no romance de Leon Tolstoy, ganhou o Oscar de melhor figurino este ano. E só não alcançou as nossas telas grandes no tempo hábil (quando foram exibidos alguns filmes já candidatos ao prêmio da Academia de Hollywood) devido à insensibilidade de nossos exibidores que têm privilegiado os blockbusters vazios impingidos pelos distribuidores. Hoje, felizmente, o filme de Wright chega aos cinemas locais e excepcionalmente em lançamento simultâneo no Cine Libero Luxardo e Estação das Docas - Cine Teatro Maria Sylvia Nunes. Ambientado na Rússia imperial de meados do século XIX, o roteiro do vencedor do Oscar por “Shakespeare Apaixonado”(1998) e coautor dos roteiros de”Império do Sol”(1997) e “Brazil-O Film(1985), além de mais de 20 outros títulos entre longas e curtas, “Ana Karenina” tem Keira Knightley no papel-título, uma aristocrata que viaja de São Petersburgo a Moscou com o objetivo de salvar o casamento de seu irmão - o Príncipe Oblonsky (Matthew Macfadyen) -, tentando convencer a cunhada a perdoar as traições dele com uma empregada. Durante esta missão acaba se apaixonando pelo jovem militar Vronsky (Taylor-Johnson) que encontra durante uma festa. De volta a São Petersburgo, Ana inicia um longo relacionamento extraconjugal esforçando-se em guardar segredo de seu marido, o aristocrata Karenin (Jude Law), mas sem evitar os comentários maldosos da sociedade. A paixão adúltera chega a um ponto que ameaça a guarda do filho de Ana a quem o marido faz questão não só de manter a guarda como de proibir que ela veja a criança. “Ana Karenina” já teve 10 versões cinematográficas (contando o que se fez para a televisão) sendo a mais conhecida a que foi realizada em 1935 com direção de Clarence Brown e interpretação de Greta Garbo. A versão de agora mescla cinema e teatro de forma inventiva, com a atitude servindo a um ritmo alucinante. É assim que o primeiro plano é um palco onde a cortina se abre e a câmera penetra como se fosse um espectador a invadir a cena. Esse movimento de câmera não é exclusivo da abertura. Grande mobilidade cerca o “décor” realçando uma direção de arte aprimorada de Thomas Brown, Nick Gottschalk, Tom Still e Niall Moroney, por sua vez responsável pela evidencia do guarda-roupa premiado de Jaqueline Durran. A impressão do luxo ambiente retira um pouco da textura melodramática que cercou as outras versões do livro. E com isso aproxima mais “Ana Karenina” do objetivo de Tolstoy, no caso, uma visão critica da Russia imperial. Tanto assim que a sequencia de lagrimas que cercava a despedida da mãe com o filho, colocada em evidencia não só na obra de Clarence Brown como na de Julien Duviver ,em 1948, com Vivien Leigh, passa ao largo de um fecho que deixa a estação ferroviária do epilogo (a titulo de exemplo) para uma volta ao palco, como se o que foi apresentado fosse uma peça de caráter dinâmico e que por sua estrutura dramática caberia muito bem no ambiente do palco. É um raro exemplo de como as artes teatral e cinematográfica podem se unir sem perder suas características ( e sem diminuí-las, ao contrário, estimulando-as). Há também que ser evidenciada a direção de atores – uma multidão de principais e extras circulando no set – uma dificil empreitada que tem no filme um exemplar significativo de trabalho conjunto com os técnicos da segunda unidade. Outra nota é quanto ao desempenho nos protagonismos de figuras clássicas do romance de Tolstoi, assumido pelos atores principais, todos do cinema inglês e adjacências. Mas o conjunto tem força inegável na representação integrada. Um belo espetáculo. Quem já assistiu ao filme em telinha (DVD) deve experimentar em espaço maior. Para não perder.(Luzia Álvares).

INDICAÇÕES EM DVD

O diretor Vincente Minnelli (1903-1986) é mais conhecido pelo cinéfilo por seus filmes musicais. Mas ele teve incursões por outros gêneros como as comédias e o drama. É dele “Herança da Carne”(Home from the Hill, EUA, 1960) inspirado no livro de William Humphrey através de um roteiro bem comportado de Harriet Frank Jr e Irving Raveth. Trata de uma situação familiar rural onde, numa cidade do Texas, o magnata Capitão Wade Hunnicutt(Robert Mitchum) vive separado sexualmente da esposa Hannah (Eleanor Parker) desde que ela o flagrou com outra (ou outras, pois, o conhecido no lugar é mulherengo assumido) na casa da fazenda. Ele tem um filho com uma delas, o então empregado da família, Rafe Copley (George Peppard). O casal tem um filho, Theron (George Hamilton) criado pela mãe. Quando este se apaixona por Libby (Luana Patten) resulta na gravidez dela. O caso ganha feição de escândalo na cidade, pois, as pessoas pensam que a criança é de Humphrey , haja vista que a jovem une-se a Rafe que resolve salvar a situação casando-se com ela. Acabrunhado com o falatório, o pai da jovem, Albert (Everett Sloane) acha por bem revidar a acusação matando o magnata. Theron que a esssas alturas saira de casa para custear sua própria independência tenta vingar o pai. Romanesco na essência, o filme consegue ser um bom contador de história como era praxe no cinema de então. O que causa incômodo hoje, especialmente em DVD, é o enquadramento usado nas primeiras produções em cinemascope apelando para os grandes planos como se os atores estivessem em um palco representando. Isso era exigido para o aproveitamento da largura da tela que assumia a feição de uma novidade. Mas o recurso diminuía os movimentos de câmera e os planos próximos. Fica difícil delinear comportamentos humanos embora se note o esforço de Robert Mitchum como o tipo do patriarca de difícil trato. Minnelli realizou esse filme em seguida ao sucesso de “Gigi”(1958) e de duas provas de sua versatilidade e prestígio na Companhia Metro: “Brotinho Indócil” (The Reluctant Debutant, 1958) e “Deus Sabe o Quanto eu Amei”(Some Came Running, 1959). Era um diretor versátil que deixou títulos ainda hoje apreciáveis. Foi marido de Judy Garland e pai de Liza Minnelli . “O Quarteto”(Quartet, EUA, 2012) é o primeiro filme que Dustin Hoffman dirigiu. Famoso como intérprete de sucessos a começar com “A Primeira Noite de um Homem”(The Graduate, 1967) ele se apaixonou pela peça de Ronald Harwood que o próprio autor escreveu para o cinema. Um dos muitos filmes sobre pessoas idosas, mas com uma sensibilidade flagrante. Trata de músicos que vivem num asilo e anualmente apresentam-se em um concerto. No caso, esse que está sendo ensaiado é dedicado ao aniversário de Giuseppe Verdi, o famoso compositor italiano. O enfoque evidencia conflitos familiares e problemas da idade. Um grupo de bons atores ganha espaço com direção segura, valendo a ideia de que atores dirigem bem atores: Maggie Smith, Tom Courtney, Bill Connoly, Pauline Collins, Michael Gambom, como sempre fascinam em seu desempenho. Estão admiráveis e conduzem a sintonia com as vicissitudes da idade. Inédito nos cinemas locais. “Viúvas” (Viduvas, Argentina 2011) é, sem duvida, inusitado. Trata de duas mulheres que se encontram depois da morte de um homem de meia idade. Uma é a esposa(Graciela Borges), outra, a jovem amante (Valeria Bertucceli, tão jovem que no hospital onde se dá o óbito pensam ser filha do casal). No momento em que se acha nos estertores da morte, o personagem pede à esposa que cuide da outra. E por incrível que pareça ela cuida, embora relutante a principio pelos brios feridos por ter sido enganada durante tantos anos pelo marido. E as coisas complicam quando fica evidente que a jovem está grávida do morto. Um melodrama quase inverosimil se não, absurdo, bem tratado como narrativa graças à direção de Marcos Carnevale, também autor do roteiro. Segundo ele, fez “um filme de mulher para mulheres”. Não disse “que mulheres”, pois a situação exposta é muito dificil de absorver. Mas eles estão na Argentina, assim... pensemos que por lá isso pode ocorrer.(Luzia Álvares)

"TRUQUE DE MESTRES"

Quatro ilusionistas conseguem polarizar a atenção de uma platéia ao tempo em que assaltam um banco em outro país. Ainda mais: distribuem parte do dinheiro com a plateia, provocando, explicitamente, uma chuva de cédulas. Nesse caso, cabe pensar no quanto é possível vender ilusões às pessoas. Pelo menos é isso o que disse o diretor Louis Leterrier (“Carga Explosiva 2”, “O Incrível Hulk”, ”Fúria de Titãs”), afirmando que foi o filme que lhe deu chance de atuar espontaneamente, ou seja, sem estar preso às regras dos grandes estúdios produtores. Esse filme de que trata Leterrier, “Truque de Mestre” (Now You See Me, EUA, 2013), parte de uma boa ideia. Não é simplesmente desmascarar “mágicos” como Uri Geller que ia para a televisão entortar talheres. Estes são amparados por uma suntuosa direção de arte e aplicam os truques, sua especialidade (escapismo, "ler" mentes etc.) que podem chegar ao sugestionamento coletivo, sem deixar brechas para críticas de cima da hora. Tanto que uma das partes do roteiro é saber como os artistas nos EUA conseguem que se faça um roubo na França ao mesmo tempo em que atuam num palco em Las Vegas. O roteiro é curioso, mas tem furos, ou melhor, não satisfaz nas explicações de certos comportamentos, em especial, o de um agente de policia (Mark Ruffalo) que acompanha o caso dos roubos. E, diga-se de passagem, pouco ajuda a intervenção de um mágico veterano que se mostra solicito com as autoridades (Morgan Freeman). Os quatro ilusionistas são interpretados por Jesse Eisenberg, Woody Harrelson, Isla Fisher e Dave Franco. São todos simpáticos bastante a se filiarem no grupo dos vilões heróicos. E a narrativa ajuda na composição de um cenário hipnótico, com uma intensa movimentação de câmera (poucas vezes fixa), uma direção de arte que inspira grandiosidade e uma iluminação digna de números circenses (gelo seco, fumaça). Leterrier consegue criar o clima para os seus personagens. Mas não interessa defini-los. São apresentados ao público cada um de per se, com suas virtudes e truques, daí despertarem a atenção do responsável pelo clima entre truques e roubos. Interessante que um membro do grupo ao sucumbir ao trabalho da policia não leva à lamúria os colegas como se poderia esperar (mas isso tem razão de ser). E afinal nada é dito sobre a mágica ligada ao furto e com que recursos esses ilusionistas atuam para produzir esse furto. O palco das aventuras dos quatro colegas é tão grandioso que seria licito pensá-los milionários excêntricos se divertindo em desafiar a lei e imitar Robin Hood. Esse, aliás, é o dado que emerge ao público espectador. Contudo, nas entrelinhas, a narrativa vai expondo, sem que seja notado ostensivamente, quem é que está por trás da negociação inicial na reunião entre os quatro mágicos, quem financia, inicialmente, as investidas mágicas, e quem completa a sentença da pretensão final. Mas esse percurso escamoteado se torna eficaz devido integrar a justificativa das mágicas, embora, subjacente, esteja o real meio de realizar os roubos que ocorrem no momento da apresentação. “Truque de Mestre” só consegue impressionar na temporada cinematográfica atual por ser “um estranho no ninho”. Claro que exibe o lado de espetáculo exigido a um blockbuster (e o diretor veio desse gênero de filme), mas o argumento não tem super-herói nem trata de ETs ou lendas. No máximo lança com bom humor a imagem de novos tipos lendários como o cinema mostrou um Arséne Lupin. Mesmo assim são personagens que em fuga lembram os “colegas” de quadrinhos ao saltar por edifícios em noite que só falta ter uma imagem de Batman nas nuvens. O filme tem bom humor e consegue por isso mesmo divertir. À saída do cinema as pessoas vão perguntar pela racionalidade das situações expostas, como o cofre construído à semelhança de um verdadeiro, o modo simultaneo de crimes a distancia, fatos expostos nas imagens com poucas e nem sempre aceitáveis explicações. Mas o objetivo dos autores foi divertir. E conseguiram. Cinema é uma ilusão. Mesmo sem nada consistente. É o truque pelo truque.(Luzia Álvares)

"MINHA MÃE É UMA PEÇA"

Paulo Gustavo Barros ou Paulo Gustavo é o responsável pela criação da personagem Dona Hermínia nascida para o teatro e com passagem na televisão. Sua chegada ao cinema seria uma consequência natural da onda de comédias que estão alimentando o cinema brasileiro de hoje, se considerarmos a bilheteria. “Minha Mãe é uma Peça”(Brasil, 2010), inspirado na peça homônima de muito sucesso trata da citada Hermínia, dona de casa (o próprio Paulo Gustavo de travesti) separada do marido (no filme Herson Capri), mãe de 3 filhos, o mais velho (Garib, Bruno Babiano) adulto estabilizado e morando longe, os mais novos chamando a atenção pela homossexualidade do rapaz(Juliano, Rodrigo Pandolfo) que procura esconder sua tendência, e pela menina obesa e desastrada (Marcelina, Mariana Xavier). Alia-se à tia Zélia (Suely Franco) com quem passa um tempo de suposto “desamor” dos filhos por ela. A rotina desses tipos é tratada de forma a fazer gags. E para isso reforçam-se os estereótipos e as situações. Como o original é de teatro, o maior trabalho do roteiro de Gustavo e Felipe Braz é tirar essa impressão e o que se vê é uma saraivada de mini sequências ou esquetes que tentam um ritmo cinematográfico no processo narrativo. Isso não quer dizer que a leitura da historia sofra mudança radical. Pelo exagero das figuras em cena (ou em planos) é puro “teatro de variedades”. E não sei, pois não vi, se no palco a peça funciona melhor. O sucesso popular que está obtendo o filme, dirigido por André Pellenz, tem sua raiz nos programas humorísticos de TV e no próprio palco de onde veio. Mãe despótica, marido volúvel que já anda com mulher jovem a tiracolo, filho adulto, filho gay, filha gordinha e potencialmente engraçada (até por isso) seguem um esquema que não esconde preconceitos, pois sabe que o publico ri de um tipo de caricatura do “politicamente incorreto”. Nada no enredo ganha foro da realidade social brasileira sem a maquilagem de um show humorístico. É como a escolhinha do Chico Anysio ou o cenário da Zorra Total ou A Praça é Nossa. Se há público para esses shows em horários nobres naturalmente esse público se desloca para o cinema, pois sabe, de antemão, que vai se divertir. É preciso considerar que não é só o cinema nacional de hoje que se alimenta de comédias como forma de atrair platéia. Ontem era assim, e a diferença é que introduzia números musicais, pois, na época, não havia televisão e os cantores de rádio só eram conhecidos dos fãs, além de seus portos de origem, através das vozes. Foi o tempo das chanchadas. E quando chegaram os chamados “anos de chumbo”, a inocência do tipo de filme começou a ser diluída, com o advento do chamado “cinema novo”, passando ao apelo ao erótico na fórmula. E driblando uma censura que privilegiava o tema político via-se o que foi chamado de pornochanchada. Hoje, a liberdade de expressão deixa que dona Hermínia pronuncie “palavrões” e, com isso, provoque o riso de alguns (na minha sessão a plateia ria de cada termo disparado pela personagem). A vantagem, se é que se pode dizer assim, com outros exemplares do gênero, é que se limita a vulgarização do erótico. Com isso, o filme é aceito pelas famílias tradicionais que ainda vestem um comportamento hipócrita. O que não se diz é que se arma de preconceitos hoje considerados proibitivos. Mas vale tudo no afã de comercializar o produto. Cinema sério passa longe. E mesmo a diversão simples, mas inteligente, segue o caminho das férias.(Luzia Álvares)

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