segunda-feira, 3 de junho de 2013

O CINEMA DE MICHAEL HANEKE

“O Vídeo de Benny”, dirigido pelo cineasta austríaco Michael Haneke em 1992, é o cartaz do Cine Clube Alexandrino Moreira na primeira segunda-feira do mês de junho, dia 3, às 19h, com entrada franca e debate com membros da Associação de Críticos de Cinema do Pará – ACCPA. O cinema de Michael Haneke é uma batalha feroz que disputa o olhar do espectador contemporâneo, este sujeito de olhar viciado diante de tantas imagens e formatos, absolutamente suscetível ao que podemos chamar de inundação visual, diária e continuamente. No excesso de estímulos, a procura de imagens que podem resistir em dois tempos: o tempo da duração fílmica enquanto o filme está sendo exibido (a conquista sedutora e manipulável do olhar do espectador) e a longevidade pretendida pelo autor, pelo artista (prova atemporal de sua importância para a história da arte visual, para a história do cinema). Autoral e polêmico, o cinema de Michael Haneke aposta na provocação por meio do horror. Mas não se enganem, pois seus filmes estão bem distantes do que entendemos por cinema de horror, gênero consagrado por estilos diferenciados de diversos cineastas que levam o espectador à sensação de medo, de vertigem.
Nos filmes de Haneke, o horror é provocado pelo choque das imagens expostas em cortes secos, iluminação sem excessos, diálogos cortantes que conduzem o espectador a um estado de suspensão diante das soluções visuais de impacto, e em planos fixos que ampliam a força dramática justamente por serem fixos, São filmes que provocam estranhamento (quando não repulsa) em títulos que chamam a atenção do público e crítica como: “Violência Gratuita”, “A Professora de Piano” (2001), A Fita Branca” (2009) e “Amour” (2012). Ao retirar o espectador da passividade catártica do cinema atual, as cenas violentas observadas no cinema de Michael Haneke não se utilizam de movimentos pirotécnicos, edições nervosas, nem o apelo fácil dos sustos gratuitos e dos efeitos sanguinolentos. Seu horror é outro: é duro, realista, cruel ao representar as práticas que causam o sofrimento de indivíduos envolvidos em sociedades que pouco ou quase nada avançaram nas relações mais básicas de convivência e civilidade, independente das conquistas que proporcionam conforto e aparente bem-estar.
“O Vídeo de Benny” lança um desafio para a plateia: ou a sociedade se prepara para receber de forma crítica e estética o turbilhão de imagens ininterruptas recebidas diariamente pelas nossas retinas, ou ficaremos eternamente reféns de um falso deslumbramento diante das novas tecnologias, em novos suportes e aplicativos que tentam oferecer uma satisfação ilusória, indiferente à violência nossa de cada dia, à violência ao redor. Outro filme, “Precisamos falar sobre Kevin”, já apontava para a fatalidade dos desenlaces trágicos, mediante a impotência da família e outras instituições frente ao avanço sem trégua da patologia juvenil em contextos que facilitam e seduzem pela compra e uso de armas, fato que coloca na ordem do dia o conceito de maioridade penal e suas consequências.
Em “O Vídeo de Benny”, a “naturalidade” compartilhada pelos membros de uma família aparentemente acima da qualquer suspeita, traz o germe de uma violência que passa de geração em geração. O ovo da serpente está no interior da própria casa, e, a princípio, não se sabe ao certo como reagir diante do inevitável, afinal de contas, Benny, (assim como Kevin, do filme de Lynne Ramsay) é menor de idade, numa discussão que tem tomado de assalto (literalmente) os meios de comunicação, os meios juristas e a internet. A manipulação doméstica da imagem foi também um dos temas explorados por Michael Haneke em Caché (2005), em que o estatuto da imagem em movimento ou estática (câmera fixa), agora, com a suposta democratização e acesso das novas tecnologias, está (de forma onisciente), a serviço dos todos os fetiches, todas as perversões e registros ao vivo da capacidade humana de construção e destruição das próprias imagens geradas, as quais testemunham a ascensão, queda e continuidade de sociedades ultraviolentas, em fotogramas também já vistos no cinema de Stanley Kubrick em “Laranja Mecânica”, em adaptação da obra homônima de Anthony Burgess; “Bully”, de Larry Clark, adaptação cinematográfica para o livro de Jim Schutze; “Cidade de Deus”, de Fernando Meirelles e Kátia Lund, para o livro homônimo de Paulo Lins, entre outros títulos.
Longe de ser pessimista, o cinema de Michael Haneke traz para a tela o tema da violência inerente ao ser humano com um estilo austero, rigoroso e bem distante da violência glamourizada, publicitária e autorreferente. Recorrendo ao tradicional uso do flash back para resolver a trama por meio de outro plano de uma mesma sequência, “O Vídeo de Benny”, por fim, amplifica (pela técnica da repetição) os detalhes sórdidos de um diálogo inacreditável entre os personagens criados por Haneke, ratificando o talento do diretor para soluções finais surpreendentes. Os filmes de Michael Haneke podem até provocar um certo desconforto e horror pela forma eficaz de contar histórias e dirigir atores. São filmes fortes, perturbadores e necessários. (Augusto Pacheco)

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