sábado, 1 de fevereiro de 2014

"Ninfomaníaca - Vol. 01" de Lars Von Trier




Lars Von Trier é um cineasta diferenciado. Seus filmes sempre surpreendem pela criatividade na elaboração da sua forma e na construção do seu conteúdo. Sendo um dos fundadores do Dogma 95, movimento cinematográfico que procurou indicar novas formas no fazer e ser do cinema em plenos anos 90, Lars Von Trier realiza filmes muito autorais e trazem na sua concepção muitos elementos pessoais do diretor. "Melancolia" e “Anti-cristo” por exemplo, foram feitos num momento de profunda depressão do cineasta e a dor e desesperança que ele deve ter sentido se expressa claramente nestes trabalhos. Provavelmente, na sua nova obra, o tema escolhido deve ter origem na sua observação como artista ativo e testemunha das mais variadas loucuras e hipocrisias que vem diariamente acontecendo no "novo" mundo através de nossa sociedade em evolução (?) em pleno século XXI. E porque não falar de sexo? Em "Ninfomaníaca”, Von Trier criou um interessante jogo de conceitos sobre sexo com o espectador. Afinal, o que é o sexo? O que é normal no sexo? O que é normal no desejo? O ser humano é um animal sexual que precisa de regras para sua convivência? Quais são os valores que são determinados para que todos possam se sentir bem ou mal sobre seus desejos sexuais numa sociedade que preza a violência e não a diversidade e liberdade sexual? Para criar esse jogo de conceitos com o espectador e derrubar velhos e decadentes paradigmas sobre o assunto, Von Trier nos mostra uma história de uma mulher que conta sua vida sexual para um desconhecido, revelando ao mesmo tempo seu prazer e sua culpa por sentir e ser o que é. Assim, nesta primeira parte do filme (a segunda parte será lançada em Março deste ano) acompanhamos essa personagem desde sua infância até sua adolescência, quando seus desejos sexuais são intensos e realizados. Testemunhamos esta personagem e sua história de uma forma criativa com o diretor fazendo conexões com os mais diversos assuntos, da filosofia à religião, da matemática à sociologia, da psicologia à política. Estes assuntos são unidos brilhantemente na narrativa por todos os elementos da linguagem do cinema (montagem, trilha sonora, fotografia). Von Trier é extremamente criativo e suas opções estéticas tem um tom de originalidade mais evidente, ao contrário de outros cineastas que tentam fazer a mesma coisa mais que no final, nos transmitem uma impressão de “déjà vu". A conclusão do diretor sobre esta odisseia de sua personagem só será conhecida no lançamento da segunda parte mas é evidente alguns caminhos aqui estão definidos. Para Von Trier, o sexo é uma forma de vida e não pode ser controlado. O sexo não é o fim, mas sim um meio de revelação. Sua personagem, ainda aqui se sentindo culpada, pode ser uma metáfora contra uma sociedade que pensa em sexo mas que reprime, que condena, que hipocritamente criar regras de controle onde tudo tem que ser limitado, cercado, coberto, escondido. Ao revelar sua vida sexual para um desconhecido que aparentemente entende e releva suas atitudes, esta personagem vai se descobrindo ao ponto de duvidarmos inclusive do seu sentimento de culpa por pensar em sexo continuamente. Como fez em “Dogville” e “Anti-cristo” entre outros trabalhos, Lars Von Trier ao final, debocha da hipocrisia e dos valores de uma sociedade falida de conceitos e regras e que tornam o indivíduo infeliz. Como todo bom artista, Von Trier abusa e se atreve a destruir conceitos num jogo que o espectador mais curioso deverá tentar entender. Aguardo ansiosamente a conclusão da história mas desde já, revelo minha admiração pelo filme e pelo atrevimento deste tão questionado diretor que mais uma vez, encara uma polêmica num assunto que muitos falam mas que poucos tem coragem de discutir no cinema. Para aqueles espectadores que esperavam de “Ninfomaníaca” apenas mais um filme com cenas de sexo explícito, sugiro o estudo da obra do diretor que afinal, polêmico ou não, nunca fez um trabalho ordinário e sem expressão. Ao grande público que vem lotando as salas de cinema para ver o filme e que não conhecia o trabalho deste cineasta, seja bem vindo a obra de Lars Von Trier. Vem mais por aí. Ainda bem.(Marco Antonio Moreira)

"O LOBO DE WALL STRET"




Indicado na categoria comédia na 71ª edição do Globo de Ouro da Hollywood Foreign Press Association, isto pode surpreender a quem não assistiu ao novo filme de Martin Scorsese, “O Lobo de Wall Street”(The Wolf of Wall Street, EUA, 2013). Mas o roteiro de Terence Winter com base no livro autobiográfico do ex-corretor da bolsa de valores de Nova York Jordan Belford, segue como uma farsa desde as primeiras cenas. Quando, por exemplo, o personagem que sempre está narrando em off diz que tem um carro branco, surge primeiro um vermelho, que rapidamente muda de cor. Este recurso tende a indicar que muito do que será visto não é real, ou não indica um caminho que denota veracidade. As aventuras de um jovem ambicioso, mas sem dinheiro que consegue emprego em Wall Street e se torna um ótimo vendedor de ações, ganha a feição de uma orgia a partir do que Tom Wolfe chamou de “Mestres do Universo”. O mundo do dinheiro seduz Jordan Belfort (Leonardo DiCaprio) desde que chega ao pregão da bolsa mais respeitada do mundo. Conhecendo um veterano vendedor (curta aparição, mas extremamente expressivo, de Mathew McConaughey) aprende como se deve portar na profissão. O problema é que a época é a década de 80 quando uma depressão semelhante a de 1929 atinge o mercado. E o calouro aprendiz tem que mudar. Arranja emprego em uma agencia particular em Long Island e passa a vender muitas ações de firmas modestas, algumas formadas por parentes ou amigos de forma artesanal. Inicia uma empresa concorrente a Wall Street associado a Donnie (Jonah Hill) e a outros velhos amigos criando a Stratton Oakmont com muitos empregados e valendo-se de artimanhas ilegais. Casado há tempos, se divorcia quando encontra a sedutora Naomi (Margot Robie). A esta altura já é um bilionário esbanjador mostrando a cor do dinheiro nos vários bens que adquire. O cenário do escritório criado por Martin Scorcese é de uma fantástica fábrica de dinheiro e onde circulam strippers, bichos dançando ao som de fanfarras, mesclado de corpos nus nas poses mais sensuais possíveis criando-se cenas de bacanais que parecem não acabar nunca. Essas figuras que a cada bilhão ganho festejam as vitórias ao som de charangas parecem emblemáticas naquele local de negócios. Mas o que subjaz é a crítica à fugacidade daquele mundo marcado de mentiras, embora a realidade do dinheiro em cédulas figure nas caixas abarrotadas que não têm mais lugar aonde guardar. É o formato especulativo de uma Wall Street com toda a vulnerabilidade mantida em tom de comédia testando a cada momento os limites da realidade daquele grupo que não tem descanso, mantido ao som do tilintar da campainha dos telefones para negociar e ou captar ações aos gritos e bordões aprendidos de seu “mestre” e que já se tornam parte de seu cotidiano. E/ou pelo filtro das drogas estimulantes que passam a gerir aquele mundo que criou. Um Deus como Belfort tem que ser seguido e imitado – como mostra Scorcese em cada momento em que a turba burocrática consegue ganhos do mercado e/ ou novos compradores sejam incluidos nos negócios. Das gravatas e smokings ao corpo nu naquele cenário ficcionado supostamente ficticio, mas necessitando ser visto como verossimil, tudo demonstra a força do dinheiro extraido de pequenos investidores que sequer sabem o que estão representando no ganhar/esbajar fortunas. A avidez é a arma que manipula o caráter daqueles homens que deixam de viver a vida do cotidiano (nem sabem por onde andam suas esposas e filhos ou se têm familia) para se tornarem adeptos de uma nova divindade – o dinheiro que entra em suas contas bancárias e/ou que se derrama sobre eles (há cenas que repercutem esse sentido). A linguagem que Scorsese usa tem uma dinâmica assutadora. Enfatiza a eterna festa das figuras ligadas ao mundo ilícito de negócios, usando de todos os recursos para dimensionar a devassidão ambiente. É assim que se vê sequencias de tonalidades fortes (mais o vermelho), de planos próximos em montagem rápida, de tipos que ilustram a orgia, como prostitutas que servem aos corretores muitas vezes dentro do salão onde trabalham. O filme é longo (3 horas), mas não gratuitamente. A ação é constante e seria impossível manter o clima sem o desempenho de Leonardo DiCaprio, presente em quase todos os planos. O ator nunca esteve melhor. Produz um esforço enorme no papel-titulo, ou seja, no de Jordan cognominado “O Lobo”. Candidato a 5 Oscar (filme, diretor, ator, ator coadjuvante e roteiro adaptado) tem sua qualificação para tal premiação. Merece. Mas DiCaprio tem concorrentes sérios nesse evento, como Mathew McConaughey (em “Clube de Compra Dallas”) que merecia figurar como coadjuvante neste trabalho de Scorsese.(Luzia Álvares)

HERZOG



Werner Herzog, nascido Werner H. Stipetic é um cineasta alemão de 72 anos conhecido dos paraenses não só por seus filmes, descobertos em 1970 pela ação do Cine Clube APCC, em memoráveis sessões na sede da AABB e auditório da antiga Faculdade de Odontologia, filmes veiculados pelo Instituto Goethe. Ficou conhecido em Belém quando esteve em busca de locações e ajuda a produção do filme “Fitzcarraldo”(1982) no inicio dos anos 80 (embora nos créditos do filme naõ trate sequer de Manaus onde teve grande ajuda). Hoje os documentários desse diretor estão circulando nas capitais brasileiras através do mesmo instituto. No cinema Olympia pode-se assistir, a partir de amanhã (31/01) aos títulos: “Herzog, Retrato de um Diretor”(1986), “Balada de um Pequeno Soldado”(1984), ”Ecos de um Império Sombrio”(1990), “Lições da Escuridão”(1992), “Fata Morgana”(1971 ) e “O Pequeno Dieter Precisa Voar”(1997). Do grupo só “Fata Morgana” chegou a ser exibido em Belém. Os documentários de Herzog são corajosos no modo como ele enfrenta dificuldades para realizá-los, adentrando por lugares de difícil acesso, a avaliar, por exemplo, a profusão de informações que consegue captar. Mas nada melhor do que ele mesmo para julgar seus trabalhos e isto se faz no primeiro filme do programa, uma espécie de confissão do realizador falando diretamente para a câmera (no caso, a plateia). Mas Herzog é conhecido por aqui também por ter visitado a cidade. Primeiramente no perído em que planejava filmar “Fitzcarraldo”(1982), o seu trabalho mais dispendioso e ousado. O roteiro (sempre é ele quem escreve) trata da situação de um rico empreededor (Klaus Kinski vivendo o personagem) que resolveu montar um teatro na selva amazônica para trazer operas, começando por contratar o famoso tenor Enrico Caruso (1873-1921). Para a produção, o cineasta tentou encontrar, na capital paraense, quem doasse roupas de época (século XIX) para a sequência de estreia do teatro, escolhido para ser o nosso Da Paz. Não conseguiu seu intento apesar de tentar insistentemente através dos meios de comunicação e percorrendo entidades que poderiam ajudá-lo. Acabou se deslocando para Manaus onde, enfim, conseguiu o que queria, filmando no Teatro Amazonas. O que impressionou em “Fitzcarraldo” – e que ele trata num dos documentários a ser exibido agora – é a sequencia em que era transportado um navio através da mata para alcançar o rio por onde iria navegar. Ao invés de apelar para efeitos especiais, Herzog contratou índios para puxarem o gigantesco barco pela selva adentro. Vê-se, no documentário, como os homens cortavam arvores e puxavam o navio com cordas. Uma loucura que dimensionou o sonho do promotor da opera na selva. Aliás, essas sequências foram questionadas após a exibição do filme no Brasil, considerando a utilização da mão de obra indígena (e ele não trata dessa presença, nos créditos do filme). Um ponto que teve reprecussão no meio cinematográfico foi o relacionamento de Herzog com o ator Klaus Kinski (1926-1991). Kinski era conhecido por seu gênio irritadiço, considerado mesmo como um “lunático”. Em Belém chegou a depedrar seu apartamento no Hilton Hotel. E só Herzog conseguia tratá-lo a ponto de extrair excelentes desempenhos. No documentário “Meu Melhor Inimigo”(1999) o diretor lembrou o ator passando do tom critico ao nostálgico, afirmando uma amizade acima do que ele mesmo chegou a dizer “muitos de meus cabelos brancos se devem a Kinski”. Herzog também andou pela nossa região ao realizar “A Cobra Verde”(1987). Atualmente ele mora nos EUA e já fez cinema comercial como “Vicio Frenético”(The bad Liitenant, 2009) roteiro de William Finkelstein com incursões de 4 outros cineastas inclusive Abel Ferrara. O filme interpretado por Nicolas Cage e Eva Mendes provou que Herzog sabe dominar qualquer tarefa sem cair nos estigmas. Embora não deixe de lado a sua paixão pelo documental ou pelo cinema de autor, afinal ele é um dos nomes da renovação estética do cinema alemão nos pós-guerra. No momento esse diretor está em filmagens de “A Rainha do Deserto” (The Desert Queen) com James Franco, Nicole Kidman e Robert Pattinson. Certamente é cinema de Hollywood, com o seu toque inconfundível, diga-se. Mas aos que não conhecem Herzog devem criar sua agenda para assistir aos títulos da mostra ora em cartaz. Cada filme deve ficar no Olympia ao menos dois dias. Programem-se para avaliar uma parte da obra de um dos meus diretores preferidos. (Luzia Álvares)

LARS VON TRIER


Lars Von Trier não faz meu gosto por cinema.Autor do tipo de narrativa direta que chamou de Dogma, deu marcha a ré na linguagem cinematográfica à guisa de novidade. Sinceramente só gosto muito de seu “Europa”(1961). Os experimentos me enrolam o estômago. E mesmo depois de ter deixado de lado o tal de “Dogma” incursionou numa “Melancolia” que a mim pareceu fazer jus ao nome. A ideia de pesquisar um microcosmo social através de um fim de mundo lembrou uma ideia de Antonioni(“O Eclipse”)e já ganhou irmãos de gênero em muitos países. “Ninfomaniaca 1” surpreende pela linguagem linear, coisa que não se vê em Trier desde suas primeiras realizações. Mas a escolha de uma patologia para daí dissertar sobre o ser humano de um modo geral não deixa de ter um halo sensacionalista. O filme está fazendo boa carreira comercial (até aqui) por conta das cenas de sexo. Ele ganha pontos quando faz analogia dessas cenas com uma pescaria e uma partitura de Bach. O esporte e a musica registram, enfim, a vida. E o sexo pode estar no comportamento da heroína não só como uma patologia mas como uma saída para uma educação castradora. Trier conseguiu fazer seu melhor trabalho em anos. Exagera algumas vezes, mas pelo menos não pinta casas no chão como em “Dogville”. A mim valeu a ponto de ver sem olhar para o relógio. Apenas reclamei o frio da sala de cinema. Mas isso é outra coisa.(Pedro Veriano)

WERNER HERZOG



Agora que se vai ver por aqui parte dos (muitos) documentários feitos por Werner Herzog (hoje com 72 anos), penso no tempo em que o conheci pessoalmente.Primeiro foi em minha casa, levado pelo diretor da Casa de Estudos Germanicos da UFPa, Thomas Mitchen. Na ocasião Herzog brincou quando se fazia uma foto. Abriu a camisa e disse que a câmera era uma arma e ele se sujeitava a um tiro no peito. Depois almocei com ele, Luzia, Alexandrino Moreira e familiares. Nessa noite surgiu a pergunta se algum cineasta clássico o influenciou. Herzog disse que não. Eu mencionei Griffith, afinal o diretor que condicionou a linguagem usando movimentos de câmera e planos próximos. Aí ele aceitou. Mas o que me aproximou de Herzog foi quando fui com ele procurar quem doasse roupas de época para o filme “Fitzcarraldo”. Era uma tarefa inglória de natureza pois ninguém ia dar, sem receber alguma coisa em troca, suas vestes antigas. Fomos à uma estação de rádio e eu lembro que o locutor, famoso em Belém na época, dizia que era “o rei do rádio”. Herzog ingenuamente e surpreso me perguntou se era verdade (“he’s the king of the radio?”). Expliquei que era um recurso de alimentar popularidade. Nossa jornada pelas ruas era medida pelos passos. Herzog dava um e eu dava três. Alto e ligeiro, o cineasta gradativamente ia se enfezando com a negativa de sua missão. Foi-se para Manaus. Soubemos depois do sucesso na capital amazonense. E da loucura que foi o transporte terrestre de um navio, puxado por índios (que a imprensa afirmou terem sido escravizados). Herzog faz cinema autoral. Dificilmente aceita tarefas assinadas por outros. Só agora, morando em Los Angeles, muda de rumo.Chegou a ser até vilão no filme “Jack Reacher,o Ùltimo Tiro”(2012)com Tom Cruise, e uma ponta em “Amor Além da Vida”(1998) com Robin Williams. Mas não perde a linha autoral, tem 5 episódios da série “On Death Row” para a TV e o documentário “From One Second to the Next” sobre o trafico de drogas e sua consequência.(Pedro Veriano)

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