segunda-feira, 17 de agosto de 2015

"O PROCESSO DO DESEJO"



O PROCESSO DO DESEJO
Luzia Miranda Álvares
O diretor italiano Marco Bellocchio,76, sempre foi visto como irreverente e rebelde não aceitando o tipo de direção escolar em um colégio salesiano de sua terra natal. Seu amor pelo cinema tornou-o um cinéfilo e dai seu interesse em seguir os caminhos da arte, em Londres (1959). Regressou à Itália onde assinou seu primeiro filme, “I Pugni in Tasca” (De Punhos Cerrados, 1965), muito bem recebido pela crítica. Seguem-se outros trabalhos e dai em diante mantém seu modo de tratar os temas na linha inicial. “A Bela que Dorme” (2012) foi exibido em Belém o ano passado, sendo seu último filme, mas já está finalizando outro. Em 1978 conheceu o médico neuropsiquiatra Massimo Fagioli, 84, cuja teoria (com inúmeros livros publicados) está voltada à denúncia da anulação da identidade feminina ao longo do século. Bellocchio fez parceria com Fagioli, em 1991 (e em mais quatro filmes), agora numa historia que os dois imaginaram e que levou à realização do filme “O Processo do Desejo” (La Condanna/Italia). Trata sobre uma jovem estudante, Sandra Celestini (Claire Nebout) que durante uma visita à Farnese Castle Gallery, perto de Viterbo (Italia) não deixa o prédio depois que se encerram as visitas (busca a chave de seu apartamento que teria perdido ali) e uma vez presa no recinto percebe que não está sozinha. Um estranho se apresenta e segue com ela entre os corredores que levam aos quadros onde há imagens sensuais de mulheres. É nesse ambiente que a jovem se vê assediada pelo professor Lorenzo Colajanni (Vittorio Mezzogiorno) com quem mantém um jogo de sedução que ele inicia e ela se envolve. Mas na manhã seguinte ela descobre que ele tinha as chaves da galeria e por isso considera que houve assédio sexual. O fato é mostrado de forma clara, na concepção de que houve um coito forçado, ou seja, estupro. E por isso Sandra leva o caso à justiça. A defesa do réu tem seu argumento centrado em dois fatos: o aceite ao jogo de sedução e o orgasmo demonstrado pela jovem. O promotor aceita o caso na alegação da condução forçada da jovem para o jogo de sedução uma vez que ela desconhece a condição de liberdade que poderia ter, caso soubesse que havia uma possibilidade de sair daquele lugar. O sentir ou não o orgasmo – clímax do prazer sexual - está condicionado à pulsão – dinâmica da supressão do estado de tensão – onde nasce o processo. O filme repousa justamente na discussão se ouve ou não estupro na galeria de arte uma vez que a jovem recebeu “com prazer” o coito revelando a participação nele por ter expressado o gestual da completa sedução naquele momento e ainda participado do jogo. É preciso estar despojado da maneira de o “status quo” desse gestual ser analisado. Há algum tempo, desde a perspectiva feminista, já se observa que as mulheres estão criando uma identidade própria de identificação de seu modo de encarar a sexualidade que comporta a maneira livre de sentir prazer. E isso é visto com preconceito, pois a hierarquia na relação entre os gêneros tende ao masculino. No caso do filme, Sandra, ao se entregar ao jogo do estranho construiu, no cenário onde se acha, um modo próprio de se sentir despojada das hierarquias. Mas ela só entende que foi incluída no processo de sedução ao lhe ser negado o poder de decidir isso, pois, o professor estava com as chaves da porta de saída que poderia muito bem levar a uma decisão dela. Ele decidiu sozinho e secretamente. De quem foi o poder? O filme passa, ainda, pela concepção cultural dos julgadores do caso – o advogado de defesa e o promotor. Eles incorporam matrizes de pensamentos definidos sobre o que é ser homem e ser mulher. E no caso da sexualidade, todos dois recortam a perspectiva patriarcal do processo do domínio e da sujeição. Há muito mais para a discussão.
Veja o filme hoje, às 19 h, no antigo IAP (CineClube Alexandrino Moreira).

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