segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

 Zabriskie Point, de Michelangelo Antonioni




Por Augusto Pachêco



Como falar sobre a obra máxima de Michelangelo Antonioni, escolher um filme a considerar obra-prima entre os vários títulos importantes da carreira do cineasta italiano que, se não inventou, praticamente marcou seu trabalho com o legado da estética da incomunicabilidade na sétima arte?

“Zabriskie Point”, concluído em 1970, depois de quatro anos de produção e filmagens, foi realizado no momento de gozo de suas qualidades de cineasta (“Blow up” foi um sucesso inesperado no mercado americano). A produção de Carlo Ponti permitiu um olhar autoral sobre a América, um filme de estrada que usa planos abertos para captar o clima de rebelião ao estado das coisas e que reflete a virada de uma década de utopias para outra em que as dúvidas sobrepuseram certezas revolucionárias.

Antonioni sempre foi cineasta de seu tempo. Contemporâneo dos neorrealistas, não se agrupou esteticamente ao movimento de renovação do cinema italiano pós-Segunda Guerra. Para ele, a janela do cinema estaria mais próxima de uma sensação de deslocamento. A perplexidade da câmera tendo como foco a indiferença e coisificação da condição humana, tão bem exposta na tetralogia formada por “A Aventura”, “O Eclipse”, “A Noite” e “Deserto Vermelho”.

Em “Blow Up - Depois daquele Beijo”, “Zabriskie Point” e “O Passageiro – Profissão Repórter”, Antonioni dá asas à imaginação e corre pelo mundo, reinventa o cinema e questiona o que assistimos como realidade. Refaz ficção e documentário como artista inquieto, incita a dúvida e põe em xeque o poder das imagens.

Na odisseia pelas estradas da América, propõe um balanço das utopias no calor das discussões dos movimentos estudantis, em cortes rápidos, cabelos, cigarros, palavras de ordem e confronto de ideias. No embate, o equilíbrio distante entre teoria e prática, o confronto com a força policial, a dispersão inevitável com perdas e derramamento de sangue, com direito a participação de Katherine Cleaver, dos Panteras Negras, e radicais desqualificando militantes na sempre agônica guerra de ideias e ideais. 

Do outro lado, a especulação imobiliária em negócios faraônicos, a publicidade das coisas (os bonecos como representação dos humanos), o investimento em segurança e outdoors com ilustrações de porcos e vacas ao som de ruídos que acompanham o movimento de Mark, que compra armas de fogo com a facilidade legalista que “naturaliza” o comércio armamentista em vários estados americanos.

Na oposição entre o ideal revolucionário e o hedonismo da cultura hippie, Antonioni promove o encontro de Mark e Daria no Ponto Zabriskie, localizado no Vale da Morte, na Califórnia. É nesta sequência que Antonioni oferece um dos momentos mais belos da história do cinema moderno, abrindo espaço para a digressão dos personagens, numa pausa para a celebração de paz e amor sobre pequenas nuvens de gesso que cobrem os corpos em jogos sensuais. É a revolução do amor livre, dos corpos em movimento no ideal de revolucionar sem violência, no delírio que alcança o sublime na fotografia de Alfio Contini e o grupo de atores do Open Theatre. 

Assim como Bernardo Bertolucci (em “O Céu que nos Protege”) e Anthony Minghella (em “O Paciente Inglês”), o deserto para Antonioni é a possibilidade de ir além da propaganda enganosa dos produtos desnecessários e do soterramento de imagens que pouco ou nada dizem quando o assunto é cinema. Aqui, o deserto aparece como a possibilidade de novas motivações, sejam cromáticas ou existenciais.     

O final antológico ao som de “Come in Number 51 (Your Time Is Up)”, da banda Pink Floyd, traz para a tela o som poderoso de uma das melhores bandas do rock psicodélico e progressivo. No resort construído sobre grandes pedras, onde os burocratas da especulação tramam novas agressões ao meio ambiente em favor do capital pelo capital, o cinema de Antonioni provoca o espectador com a mesma verve da inquietude e um certo ceticismo antes anunciado em “O Estrangeiro”, de Luchino Visconti; e “Sem Destino”, de Dennis Hopper. 

“Zabriskie Point” é um filme para assistir pela primeira vez ou rever sempre, pois o que fica é a capacidade da obra de arte em continuar contemporânea, para deleite dos cinéfilos e novas correlações para os dias de hoje.

O filme será exibido nesta segunda, 30 de janeiro, às 7 da noite, no Cine Clube Alexandrino Moreira (Casa das Artes), numa realização da ACCPA. A entrada é franca, com debate após a exibição do filme.







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