domingo, 6 de novembro de 2011

"CÓPIA FIEL"

Sob uma aparência de simplicidade romântica, permite vários níveis de leitura. Um casal em crise se encontra casualmente (?) numa aldeia bucólica da Toscana (a natureza como fonte de inspiração).Esse fio de estória romântica é apenas um pretexto para os personagens discutirem vários temas filosóficos, psicológicos mas, principalmente o conceito polêmico de originalidade da obra de arte; razão e emoção, ilusão na arte, mistificação na percepção da obra de arte, inclusive o cinema, revisão na concepção do Belo desde Platão até a contemporaneidade. Orson Welles em seu magnífico F for fake analisa o mesmo tema através do pintor holandês Elmyr de Hory, que copiava o estilo dos clássicos, enganando até críticos renomados.
A narrativa é hábil, fluente, e apesar de abusar do diálogo, o roteiro supera o perigo do diálogo sofisticado, destacando-se a sensível interpretação de Juliette Binoche. Roteiro e estilo destoam do modelo de outras obras do autor como Close-up, Dez, Onde é a casa do meu amigo?, A vida continua, O vento nos levará e principalmente Gosto de Cereja e Através dos olivais. Kiarostami declara seu desamor à narrativa, suas obras têm longos tempos mortos, a ação privilegia os espaços fechados (o Huis clos de Sartre), filma muito dentro de carros sem mostrar os rostos das personagens, seqüências não se completam para demonstrar como na vida a Lei do acaso, o princípio da indeterminação da Física quântica ocorre, permitindo assim múltiplas leituras e percepção do fenômeno abordado e tornando importante o papel do espectador como co-autor da obra, até o ponto de quase anular a figura do diretor.
Seguramente razão e emoção se completam em Cópia Fiel, enfim a obra de Kiarostami se situa no contexto cultural da rica literatura persa que vai desde as iluminuras até a rica poesia epicurista de Omar Khayyām (Rubayat) e Háfez (Onde está a casa do meu amigo?).

MAIOLINO DE CASTRO MIRANDA
Psiquiatra, Professor do Curso de Psicologia (UFPA) – aposentado
Membro da Associação de Críticos de Cinema do Pará (ACCPA)

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