quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Ação e contemplação em "O Regresso" de Alejandro Iñárritu





Ação e contemplação em "O Regresso" de Alejandro Iñárritu
Augusto Pachêco* 

Quando o assunto é Oscar 2016, não é demais lembrar que antes de tudo, o prêmio da Academia de Artes e Ciências de Hollywood é o prêmio máximo da indústria cinematográfica americana, e, é claro, com algumas exceções em categorias que podem abrir espaços para as produções e artistas estrangeiros, como filme, ator, atriz; dependendo dos critérios que esta mesma academia pode ou não utilizar. No calendário cine-industrial de todo mês de fevereiro, o Oscar é o momento de culminância, dos resultados em momentos de crise, do desempenho da indústria e comércio de filmes produzidos e exibidos no mercado americano e outros mercados em diversos suportes, ainda que haja a honrosa categoria de melhor filme estrangeiro, o que só faz confirmar a exceção. Na categoria de melhor filme, seis produções lançadas no ano passado tentam repetir ou até duplicar a receita 2015 mapeada pela venda de ingressos, TV por assinatura, e dispositivos digitais. E se a eleição de melhor filme seguir à risca os mesmos critérios do ano passado (com a premiação dobrada filme e diretor, com a vitória de “Birdman”), Alejandro Iñárritu poderá levar o prêmio máximo, novamente.
 Filmes como “Brooklin”, de John Crowley; e “Ponte dos Espiões”, de Steven Spielberg, padecem de uma mesma linha de montagem que dificilmente ousa em temática ou estilo. A função e determinação do papel do jornalista são o mote de "Spotlight: Segredos Revelados", de Tom McCarthy e o excesso de “economês” em “A Grande Aposta”, de Adam McKay, pode cansar o espectador de pipocas e refrigerantes, este mais inclinado à franquia de "Mad Max: Estrada da Fúria", de George Miller. "Perdido em Marte", de Ridley Scott; e “O Quarto de Jack”, de Lenny Abrahamson, correm por fora, apostando na boa vontade dos votantes que hoje sofrem críticas de gestão vitalícia, racismo e outras omissões. Nesta categoria, o filme de Alejandro Iñárritu possui qualidades como domínio narrativo aliado a capacidade dramática que surpreende o espectador em desenlaces inesperados, procedimentos já observados em filmes fortes como “Amores Brutos”, “21 Gramas”, “Babel” e “Birdman”, sua obra prima. "O Regresso" não é apenas mais um filme sobre vingança, como alguns exemplares midiáticos devidamente amparados pelo marketing vertical da indústria do cinema.
Já disponível para download em alguns sites (verificar a qualidade), o filme de Alejandro Iñárritu é para ser visto na sala escura do cinema, para acompanhar como foi concebida a construção fílmica, a montagem, a bela fotografia e o desempenho de Leonardo DiCaprio. Impressionam o plano-sequência de perseguição e as tomadas naturais em cenas alternadas de ação e contemplação. No desafio das condições adversas do embate homem x natureza, “O Regresso” conduz o diálogo com outras obras fílmicas que desafiam o olhar do espectador sobre o mesmo tema, como “Gerry”, de Gus Van Sant e “Na Natureza Selvagem”, de Sean Pean. A exemplo dos grandes heróis míticos explorados exaustivamente em diversos períodos da história do cinema americano, a recente produção de filmes facilmente identificados como oscarizáveis prima pelo embate tecnologia x limite humano. Produções como “Perdido em Marte” (2015), de Ridley Scott; e “Gravidade” (2013), de Alfonso Cuarón, enviaram para o espaço seus protagonistas, assim como qualquer ambição de transpor a tela grande do cinema narrativas que estivessem além da perspectiva de mercado e citações aos clássicos originais já catalogados no mesmo gênero.
 Em “O Regresso”, o herói mítico esboçado no roteiro do próprio Iñárritu e Mark Smith, traz de volta a imagem dos errantes solitários em paisagens naturais dos velhos filmes do gênero western. São heróis falhos, mesquinhos e demasiadamente humanos (anti-heróis) no labor perigoso de sobreviver, caçar e comercializar peles no cenário glacial do novo mundo em 1822. Como proposta visual, o uso das últimas técnicas digitais de altíssima resolução em nome de uma história de pulsões primitivas, alternada entre sequências violentas que marcam a produção contemporânea e momentos de imersão total de imagens contemplativas. Mestre no uso do plano-sequência, Iñárritu reinventa seu cinema a partir da referência aos grandes realizadores, como John Ford (a mitologia do western), Terrence Malick (a liberdade na duração dos planos) e Andrei Tarkvoski (a memória, o sonho, a levitação). Na reinvenção de uma arte forjada pelo signo industrial e que hoje se incorpora aos desafios das novas tecnologias, Iñárritu recebe as influências de outros mestres do cinema para a recriação da narrativa cinematográfica e adaptação aos novos territórios da imagem.
Seus concorrentes ao Oscar 2016 de melhor filme não possuem a mesma ambição artística do realizador mexicano que conquistou Hollywood, não por ser exótico, mas pelo talento e reconhecimento. Façam suas apostas. O jogo de emoções está apenas começando!

*Augusto Pachêco é jornalista, especialista em Imagem e Sociedade - Estudos sobre Cinema, mestre em Estudos Literários (UFPA) e membro da ACCPA – Associação de Críticos de Cinema do Pará.

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