quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

"MAD MAX"




"MAD MAX"
Luzia Miranda Álvares

Em 1979, o cineasta australiano George Miller, 70, criou a história de um anti-herói ocorrida numa região árida da Austrália e em um futuro distante quando a população da Terra tenta sobreviver a um estado apocalíptico. Nesse tempo e espaço estradas e ruas são alvos de cobiça a começar por Cidadela, uma espécie de estação à beira do deserto onde são guardadas água e vegetais de forma racionada entregues à população. Há 40 anos Miller lançou o primeiro “Mad Max”, nome de um nômade que percorre as margens do deserto lutando para se manter e salvaguardar a quem pode dar guarida. O filme lançou o ator Mel Gibosn, mais tarde um expoente da indústria de Hollywood não só como ator, mas ainda como diretor e produtor (criou uma empresa, a Icon, e de lá saíram obras marcantes como “A Paixão de Cristo”, 2004).
É de George Miller outros “Mad Max” entre filmes de diversos gêneros inclusive animação (o famoso “HappyFeet” com pinguins espertos). Agora resolveu voltar ao deserto de sua terra e aí está “Mad Max, Estrada da Fúria” (Mad Max Fury Road, Austrália, EUA, 2015). A primeira diferença é que o personagem do título passa a ser interpretado por Tom Hardy, inglês 10 vezes premiado e que o nosso público conhece especialmente de “A Origem” (2010), “O Espião que Sabia Demais” (2011) e “Batman, o Cavaleiro das Trevas Ressurge” (protagoniza o personagem Bane). Mel Gibson está numa “ponta”, mascarado, e sem nome nos créditos.
O filme tem o mesmo cenário, mas a ação inclui outros limites: mulheres na idade de procriar (e uma já gravida) são levadas por uma guerreira, a Imperatriz Furiosa (Charlize Theron) para um lugar mais ameno que ela recorda da infância. Elas atravessam o deserto num carro de guerra com armazenamento de gasolina. Mas são perseguidas pelos homens de Immortan Joe (Hugh Keats-Bryne), o líder da Cidadela, principalmente porque ele precisa das jovens para serem mães de crianças aptas a viver no mundo caótico onde impera. No caminho em fuga se insurge o vagante Max. E então inicia-se uma perseguição pelo deserto, ganhando ajuda de um dos homens de Immortan, conhecido por Slit (Josh Helman) que se mostra apaixonado por uma das jovens.O filme aparenta não ter trama. É todo dedicado à corrida pelas areias de um deserto captado muito bem pela fotografia de John Seale. Mas o que impressiona mesmo, e o que me parece o que de melhor tem o trabalho de Miller, é a montagem a cargo de Jason Bellantine com ajuda de Margaret Sixel. Esses técnicos têm um desempenho fascinante numa sucessão de planos que mantêm a ideia de um moto-continuo uma perseguição sem tréguas. Sempre na demonstração de quem é o perseguidor e os perseguidos.
No final há uma espécie de moral de fábula: “é melhor lutar por um direito seu do que perseguir um sonho vulnerável a uma nova realidade”. E o parceiro de lutas de Furiosa assume a condição de homem do povo sumindo na multidão que aplaude quem combate o despotismo.Quem assiste cinema como espetáculo ganha um régio presente. E com aproveitamento muito bom da 3D.
O filme está sendo denunciado pelo MRA (Men'sRightsActivists) devido ao avanço feminino rumo à igualdade de gênero e para eles, dizem, “os homens estão em perigo”. Segundo um comentário ao qual tive acesso, eles “querem manter os homens sozinhos na liderança, e não estão nada contentes com a mensagem enviada pelo filme”. Por que a líder é ... uma mulher, a Imperatriz Furiosa, que luta como qualquer de seus pares masculinos e inclusive dá ordens ao seu parceiro.
Na verdade, esse episódio pode ser palmeado, haja vista que nos outros exemplares não há essa cancha feminina. 
Outros temas podem ser percebidos na exposição do texto fílmico. Primeiramente, a dimensão do poder entre as classes, como se vê, marcando a figura de Immortan Joe & seu séquito que exploram o que restou das guerras nucleares. É quem detém os alimentos e a água envidandoa submissão aos seus seguidores e a perseguição aos que rompem com seu mando e amedrontando os que intentam resistir. Esse poder é sangrado pelo terror que ele estabelece para manter-se sugando o sangue para sobreviver, explorando as mulheres para engravidarem e produzir leite.
A situação do meio ambiente é outro aspecto que o filme expõe. Na imensidão árida as bombas recolhem as principais fontes de sobrevivência como a água e as espécies que se mantém nesse espaço. Mas somente o séquito de Immortan Joe é contemplado de forma racionada para esses alimentos. Nesse aspecto, sente-se a perspectiva do amanhã em todas as áreas mundiais onde a poluição e a ganância se encharcam de lucro deixando a massa de mortais à mingua.
Outros aspectos da materialidade do poder desse tipo sobressaem como as máquinas, as ferramentas que são manipuladas pelo séquito humano do poderoso e que se transformam em coisa. As formas de manipular são meros meios de garantir o poder sobre eles. São, assim, dois grupos a submeter – o que forma o exército de Immortan e o que infringe suas regras seguindo sua opositora, a Imperatriz.
O mais chocante enfoque é o das mulheres serem vítimas da violência como reprodutoras de filhos e de leite para o séquito masculino no poder. As que já foram capturadas seguem na máquina de guerra, mas o ditador precisa aumentar as suas nutrizes e por isso persegue a máquina de Furiosa onde ela guarda as meninas e as jovens gestantes para não deixá-las a mercê da escravização sexual.
O rebate da Imperatriz é claro. Comandando sozinha e depois ao lado de Max consegue transgredir as normas e se transforma na salvadora do próprio povo dominado onde seu parceiro na conquista segue em frente ao lado da multidão que ovaciona o novo comando. Nesse caso, a fonte de poder está sob o jugo de uma mulher que lutou até o fim para conquistar.
Como se vê, o blockbuster de Miller não é um mero vazio de imagens. Estas se tornam representações fundantes de um mundo que é futuro mas que pode se transformar nesse vazio pelo poder de alguns manipuladores. Eia, mulheres, temos que vencer as normas e assumir a luta.


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