quarta-feira, 11 de novembro de 2015

“KAGEMUSHA” DE KUROSAWA É LANÇADO EM EDIÇÃO ESPECIAL



 Akira Kurosawa (1910-1998) é um dos maiores cineastas do cinema. Com longa carreira e títulos excepcionais como “Viver” (1951) e “Os Sete Samurais”(1957), Kurosawa viveu distintos momentos na sua trajetória. Além de ser criticado no Japão por ser o mais ocidental dos diretores japoneses (graças à influência do cinema americano), ele enfrentou um grave momento quando lançou “Dodeskaden” em 1970. Este filme (que registrava com sensibilidade a situação de pobreza que o Japão vivia no final dos anos 60) foi um grande fracasso de público (e sucesso de crítica) e com o risco de não conseguir mais financiamento para suas produções, entre outras razões, ele entrou em forte depressão e tentou o suicídio. Felizmente, Kurosawa sobreviveu e, anos depois, foi convidado pelo estúdio Mosfilm (da União Soviética) para dirigir e roteirizar “Derzu Uzala”, uma de suas maiores obras-primas. Com a repercussão positiva de “Derzu Uzala” (que ganhou o “Oscar” de melhor filme estrangeiro em 1976), Kurosawa desenvolveu um projeto que teria novamente a parceria da Toho Filmes, grande produtora japonesa. O ambicioso projeto era “Kagemusha :A Sombra do Samurai”(1980). O filme exigia uma produção de alto investimento e teve colaboração na produção executiva dos diretores americanos George Lucas e Francis Coppola, fãs do diretor e que na época tinha forte influência sobre os estúdios americanos.
A história do filme acontece durante o Japão medieval quando um importante lorde falece em meio à violenta guerra. Como era comum o uso de sósias dos líderes dos clãs como estratégia de guerra, um sósia é usado para substituí-lo e enganar os inimigos e manter o clã de forma intensa e combativa. O sósia, um pobre ladrão, tem que se adaptar as regras do poder para manter o domínio do clã sobre seus inimigos, mas a tarefa é difícil pois ele tem que seguir todo o comportamento do líder morto e reprimir seus sentimentos e reações. É através deste personagem, interpretado com maestria por Tatsuya Nakadai (que trabalhou como protagonista em “Ran” que Kurosawa realizou anos depois) que somos testemunhas da luta pelo poder entre os senhores da guerra. Kurosawa demonstra a falta de humanidade de personagens tão egocêntricos que ao pensar na guerra, não entendem o significado da paz. O personagem mais humano é exatamente o sósia que tem que exercer o poder de líder e por isso, muitas vezes, ele não entende o que deve fazer. Essa dualidade entre um homem e sua sombra (sósia) surge como uma metáfora do diretor nas relações de poder que surgem em diversos períodos da humanidade e que transformam o ser humano em algo que nem ele sabe reconhecer. Este tema foi abordado pelo diretor em diversos filmes como “Ran”(1985), aqui inspirado em Shakespeare e provoca inúmeras reflexões sem estereótipos e tendências políticas e/ou culturais que envolvem o período que a história se passa (século XVI). Ser ou não ser aqui, não é a única questão. Para quer ser e como lidar com esta descoberta, sim, este é o grande desafio do sósia (sombra) que é o protagonista do filme. “
Kagemusha”, além de sua temática envolvente, impressiona desde sua primeira cena. Kurosawa filma com um intimismo arrebatador. A cena inicial quando o líder do clã conhece seu sósia é magistralmente bem filmada com uma mistura de teatro (atuação) e cinema (enquadramento) que causam estranheza e posteriormente aproximação do espectador. O filme tem várias sequências que se apresentam dessa forma: cinema e teatro. Mas acima de tudo, “Kagemusha” é cinema. Cada enquadramento, cada cena montada, cada diálogo, cada utilização de som, cor e música revela um diretor que pensou/sentiu o que queria dizer e como queria dizer. A narrativa do filme é construída de forma a evidenciar todos os elementos da linguagem cinematográfica que convergem para cenas antológicas onde percebemos a mão/coração de um diretor talentoso.
 “Kagemusha” é um filme para se ver/rever e lembrar-se da força do cinema como arte de construção de ideias e reflexões que devem ir além. É uma aula de cinema que merece ser conhecida especialmente nesta versão em DVD com três horas de duração (versão do diretor) e extras que revelam diversas histórias de uma produção magistral. Nos extras do DVD, destaque para o filme “A Vingança de um Samurai” com roteiro de Kurosawa, making of (41 minutos), storyboards (43 minutos), trailers e comerciais exibidos na época do lançamento do filme e o especial “Lucas, Coppola e Kurosawa”. Vencedor da Palma de Ouro em Cannes em 1980, “Kagemusha” é um clássico e certamente um dos melhores filmes de Akira Kurosawa, um dos mestres da sétima arte.(Marco Antonio Moreira)

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