segunda-feira, 6 de abril de 2009

Na Linha do Vinho

Clint Eastwood (79 anos no próximo maio) é como vinho: quanto mais velho melhor. Seu Walt Kowalski e “Gran Torino” é como Harry Callahan (o “Dirty”Harry, ou Harry o Sujo) assumindo a terceira idade. Na cabeça estão as glorias ou as bravatas de encontros cruentos, no coração a saudade de um tempo e de alguém. No caso atual, da mulher que no começo do filme é alvo de missa com o corpo presente. Aliás, o filme possui uma emenda muito sugestiva: começa com o funeral da esposa do herói e termina com o dele.Entre os dois há um hiato que se assemelha à espera do fim. Walt, a principio assumindo viver só comendo carne seca, adere à vizinhança de outra etnia que antes abominava dizendo-se faminto. E usa essa gente como veiculo para acabar com tudo, ou melhor, sair da solidão.
O filme trata do catolicismo com um respeito incomum no cinema moderno. Um padre persegue o personagem de Clint dizendo que atende à esposa morta, fiel que pediu a confissão do marido. Mas o durão que fez guerra na Coréia não é de se confessar. Indaga o que o padre sabe de vida e de morte. E ele próprio se interroga sobre um passado violento que lhe pesa na mente e que omite ao aceitar a confissão. Matou muitos inimigos, viu morrer quem amava, observa que maltratam quem está aprendendo a amar, então que diabos faz para continuar presenciando crueldades?
Mas o filme não é nem derrotista nem melodramático. Segue tão de perto a carreira do diretor-ator que se pensa mesmo numa despedida (ele anunciou) como intérprete. “Dirty”Harry não está mais a fim de empunhar a pistola e varrer uma gangue das ruas. Rabugento, sorrindo de forma muito discreta, é como aquele personagem de Kurosawa, “o homem mau que dorme bem”. Só que vai dormir o sono eterno. Antes, deixa mais uma prova de heroísmo. E desta vez pregando uma resposta pacifica a agressão, uma virada de rosto como cristão convicto.
Eu disse no cinema que o filme caiu bem estreando na Semana Santa. Vale mais do que mil apresentações do “Vie de Christ” de Zecca ou o “Sinal da Cruz” de De Mille. Isto porque está mais próximo do que a gente entende por amor ao semelhante, por revisão critica de um comportamento que se isenta de absolvições rotineiras.
Walt não reza o que lhe pede o padre como penitência. Também não diz o que lhe vai à cabeça. Mas age como um homem bom. Terá o céu dos crentes se assim for. E certamente mantém o lugar que merece no melhor do cinema.(Pedro Veriano)

Nenhum comentário:

Arquivo do blog