O dr. Gergory House (Hugh Laurie) da aplaudida série de TV, toma analgésico como água depois de uma burrada de colega que lhe operou uma perna. Mas House não chegou a ir adiante para diminuir sua dor. Pelo menos no vídeo nunca usou cocaína, heroína, crack e outras drogas. Menos feliz o policial Terence McDonagh que Nicolas Cage miraculosamente interpreta (pois para mim ele nunca foi bom ator) em “Vicio Frenético”(Bad Lieutnant) o novo filme de Werner Herzog.
Terence luxou a coluna (ou deve ter sido levado a fazer uma hérnia de disco) quando foi salvar um preso de ser afogado dentro de uma cela durante o furacão Katrina em New Orleans. O lado médico da coisa é extremamente reticente. O rapaz poderia passar por uma cirurgia como passou House (que mesmo assim, e sem se explicitar o mal, prosseguiu com as dores). Mas o seu médico foi curto e grosso: “-Tome analgésico sempre”. O “sempre” levou o paciente ao superlativo. Logo o policial estava abordando gente na rua, pedindo que esvaziasse os bolsos, pegasse a droga que a pessoa escondia, e, sem dar queixa a seu departamento, levava consigo para consumo próprio.
São muitos os filmes sobre viciados em tóxicos. Um dos melhores foi “Escravo do Vicio”(L’Esclave/França, 1953) de Yves Ciampi (1921-1982) com Daniel Gélin (1921-2002), pai da atriz Maria Schneider (par de Marlon Brando em “O Último Tango em Paris” e de Jack Nicholson em “O Passageiro” de Antonioni). Ali um homem entregue à cocaína vai ao “delirius tremus”. Próximo do que se viu através de Billy Wilder & Ray Milland trocando-se a coca por álcool em “Farrapo Humano”(Lost Weekend/EUA,1945). Antes de seguir: álcool é droga. E no cinema talvez tenha mais exemplos ilustrativos: além de Milland, ganhador de Oscar pelo papel, penso em Jack Lemmon e Lee Remick em “Vicio Maldito”(Days of Wine and Roses/EUA,1963) de Blake Edwards.
Nada melhor para tratar do homem da lei que dá mau exemplo do que Werner Herzog, cineasta alemão que dirigiu Klaus Kinski mais de uma vez, prova de quem sabe lidar com temperamentais (para não dizer malucos). O próprio Herzog exibia um comportamento explosivo – ou simplesmente fora dos padrões de uma época. Isto quando o conheci, em 1980. Ele queria de Belém roupas antigas para filmar “Fitzcarraldo” (1981) história de um seringalista maluco que desejava construir um teatro na selva amazônica para exibir operas. A inauguração seria com a presença de Enrico Caruso, a voz mais aplaudida das primeiras décadas do século XX .Andei com Herzog atrás disso até em programas de rádio. Em minha casa deixou-se fotografar abrindo a camisa no dizer que a câmera é uma arma (e ele estava se entregando a um “fuzilamento”). Antes desse encontro, passei seus primeiros filmes em cópias de 16mm na sede da AABB pelo Cine Clube APCC (a hoje ACCPA). Eram peças cabeça. Lembro de uma seqüência extremamente longa de pequenas personagens passeando em roda sem uma explicação racional. O filme chamava-se “Os Anões Também Começam Pequenos”(Auch Zwerge Haben Klein Amgefangen/Alemanha,1967) . Esse tipo de cinema era adorado por alguns colegas da critica. Mas dele saiu pelo menos um titulo que fez sucesso popular: “O Enigma de Kaspar Hausen”. O distribuidor do filme no Brasil, Jeberlotti, também esteve aqui e fez a maior propaganda de seu produto. Vendeu-o a Luís Severiano Ribeiro, mas com dublagem para o francês. O ator,Bruno S (Bruno Schlierstein) foi descoberto pelo cineasta em um asilo.Não era muito diferente do garoto criado com animais (Kaspar Hauser) e o posterior Stroszek(outro titulo de Herzog). Lembra o que o belga Jaco Van Dormael fez com Pascal Duquenne em “O Oitavo Dia”(Le Huitième Jour/França,1996) – e também no aqui ainda inédito “Mr. Nobody”(França/Itália, 2009).
Hoje fazendo cinema nos Estados Unidos, Werner Herzog mostra-se perfeitamente entrosado na cinematografia industrial (eu poderia dizer popular). Este seu filme com Nicolas Cage pode até ser detestado por seus antigos cultores. Mas é um dos melhores que fez. Despojado dos vícios cinemanovistas(esses tão perigosos quanto os encenados), trabalha um drama humano com a profundidade que não afunda quem assiste. E deixe momentos magníficos como o final, com o policial e o homem que salvara anos antes, ambos sentados diante de um aquário, ele dizendo que “ainda se arrepende de ter molhado a sua cueca” ao se atirar n’água. Um sopro de humor numa tragédia onde o riso que se vê antes é sardônico como o de uma hiena.
E este ano é o terceiro filme que eu vejo em cinema. Eu que antes via mais filmes em salas de rua do que os dias do calendário. Pudera, cinema, hoje, é loja de shopping. E só deixa de vender o produto quando sai de moda...(Pedro Veriano).
segunda-feira, 18 de janeiro de 2010
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