terça-feira, 18 de maio de 2010
"TERRA ESTRANGEIRA" NO CINECLUBE OI ESTAÇÃO DIA 19/05/10
A década de 90, marcada pela ascensão do exterminador do futuro (leia-se Fernando Collor de Mello), é rica em análises para o chamado cinema da retomada, ou seja, o renascimento da produção cinematográfica nacional. Com a extinção da Embrafilme e outros órgãos federais ligados a produção e difusão audiovisual, o aquecimento do mercado registrado nos anos 80 é interrompido em nome de confiscos, corte de verbas e outros desmandos de bandidos.
Carlota Joaquina – A Princesa do Brasil (1995) legitima o cinema nacional como possibilidade real do retorno ao mercado, independente da leis de curtas e longas para exibição. O filme de Carla Camurati é emblemático para o período, porém alguns pesquisadores afirmam que a tal retomada já tinha começado anos antes em filmes com orçamentos ainda mais baixos, cachês simbólicos e aquela vontade imperiosa de fazer cinema em condições periféricas: Alma Corsária (1993), de Carlos Reichenbach; Capitalismo Selvagem (1993), de André Klotzel; Sábado (1994), de Ugo Giorgetti e A Causa Secreta (1994), de Sérgio Bianchi. E a fênix renasce das cinzas em diversos estilos e temáticas, em filmes vigorosos como Os Matadores (1997), de Beto Brandt; Um Céu de Estrelas (1996), de Tata Amaral; Baile Perfumado (1997), de Paulo Caldos e Lírio Ferreira, Santo forte (1999) de Eduardo Coutinho; Nós que aqui estamos por vós esperamos (1999) de Marcelo Masagão; Terra Estrangeira (1996), de Walter Salles, entre outros.
Terra Estrangeira não se prende a um estilo definido como em A Grande Arte, fiasco artístico e comercial na tentativa de domínio do gênero policial. Em Terra Estrangeira Salles começa com os procedimentos do drama realista para depois aboli-los com a saída de cena de Laura Cardoso, morta pela luz fria da televisão depois da transmissão dos procedimentos econômicos ditados pela então ministra Zélia Cardoso de Melo. O tom realista é quebrado pelo clima de desorientação nos frames que transmitem a mudança financeira pela ministra do confisco, que mais tarde resulta no plano fixo de uma Pietá invertida: a mãe nos braços do filho em tons cinza, preto e branco e os reflexos de luz pausados do trânsito noturno do minhocão.
São várias as influências de outros diretores: Antonioni pelos planos abertos e o quase desparecimento do indivíduo diante das grandes paisagens; o concreto de São Paulo que remete a Wenders em Alice nas Cidades; Hitchcock no travelling circular na cena da mesa com gangsters estrangeiros em Portugal. Orson Wells no plongée.
Na fotografia de Walter Carvalho a opção declarada pela climão do cinema noir e o filme de estrada, até chegar naquela cena carregada de símbolos: o navio encalhado numa praia deserta em Cabo Verde. O mar como possibilidade de um cinema do mundo, depois presente como aceno de mudança (ou não) em Abril Despedaçado e O Primeiro Dia.
Realizado em apenas quatro semanas e equipe mínima, Terra Estrangeira revela a obsessão de uma geração em fazer cinema quando o contexto diz não, e a coragem de mudar o roteiro no meio da produção ao incorporar elementos de outros sotaques que podem até falar a mesma língua, mas não se entendem, como é o caso dos imigrantes de Angola e Moçambique numa pátria lusa que de nada tem de cartão postal. No filme, Portugal é uma espécie de cabaré das colônias e o Brasil um país de emigrantes deslocados.
Terra Estrangeira traduz bem esse sentimento de ser e estar estrangeiro dentro do próprio espaço ou longe dele. Seja no Brasil, em Portugal ou Espanha, o estrangeiro estará sempre impregnado deste sentimento de evasão, não adaptação, de não conformidade ao que está posto. Nada mais contemporâneo.
Augusto Pachêco
Obs.: "Terra Estrangeira" será exibido na abertura do Cineclube Oi Estação, na orla da Estação das Docas, dia 19/05/10, às 19 h.
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