
“A Separação” (Irã/2011) do diretor Ashgar Farhadi trata justamente sobre liberdade de ir e vir, sobre a vontade e o livre-arbítrio da personagem Namin que tenta sair do país rumo ao ocidente e quer levar a filha Termeh, mas não consegue sem a permissão do marido Nader. Este é o ponto de partida de um drama aparentemente pessoal que na verdade é um dilema que alcança a família inteira e conflita diretamente com as leis e códigos do Islã, e atinge nosso senso de liberdade e democracia num choque cultural direto e nos dá uma vaga idéia de como funciona o sistema do mundo islâmico sem as distorções da lente ocidental. É um microcosmo mostrado por quem tem conhecimento de causa e reflete o universo por vezes cruel do mundo islâmico.
Ashgar Fahradi não foge ao estilo genuinamente simples e ao mesmo tempo rico da estética iraniana, pois ao tirar os véus que encobrem o cenário do Irã do século XXI, mostra-nos uma realidade complexa e assustadora do país dos mulás e aiatolás, onde as coisas não se resolvem tão facilmente. Situações que parecem corriqueiras para a mentalidade ocidental, como a separação de um casal e a guarda da filha, assumem a forma de um monstro invisível com várias garras que imobilizam principalmente a mulher e a criança dentro da sociedade patriarcal e islâmica. É perceptível nas personagens como os códigos e dispositivos do Islã são cobrados recíprocamente no quotidiano dos indivíduos. Essa patrulha religiosa é tão pior quanto uso do chador e do véu pelas mulheres como símbolos da opressão e autoritarismo, e não apenas como perpetuação das tradições.
A narrativa é repleta de pistas que nos deixam perplexos quanto ao poder da religião sobre o interesse coletivo e individual. Namin quer deixar o país rumo ao “exterior” para não deixar sua filha “naquelas condições”, aqui estão implícitos o ocidente e a opressão. O próprio pai reconhece que a lei desenhada pela religião é arbitrária e não pondera.
O filme de Ashgar Farhadi teve uma visibilidade mundial e nos mostrou uma realidade impactante. Talvez ele venha a pagar um preço alto por isso, como tantos outros artistas, intelectuais e artistas que vivem sob o regime fechado do Irã.
O desfecho desse drama não apresenta o fim que desejamos, porém, com certeza, ao término do filme deixamos a sala pensando sobre conceitos tão antagônicos entre ocidente e oriente no que se refere à vida social, econômica e política e o quanto não dos damos conta do valor da liberdade e democracia em que vivemos no Brasil. (Elias Neves)
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