O cinema iraniano alcançou prestígio como um dos melhores do mundo através de cineastas como Abbas Kiarostami (Gosto de Cereja,1996), Jafar Panahi (O Balão Branco, 1994), Samira Makhmalbaf (A Maçã, 1997), Bahman Ghobadi (Ninguém Sabe dos Gatos Persas, 2009), Mohsen Makhmalbaf (Gabbeh,1996) dentre outros. É um cinema que se afirma não pelo aparato técnico ou quantitativo da produção, mas com toda certeza pelos temas de cunho humano sobre liberdade e direitos individuais trazidos à tona para reflexão. De fato, a cinematografia iraniana também sofreu todas as conseqüências negativas após a sangrenta Revolução Islâmica de 1979, que culminou com a deposição do xá Reza Pahlevi e a tomada do poder comandada pelo aiatolá Khomeini. Instaurou-se a República Islâmica do Irã, uma teocracia onde a lei suprema é regida pelo Alcorão e suas complexas interpretações. Começava a era dominada pelo fundamentalismo e fanatismo cego do Islã em que palavras como Liberdade e Direitos Civis tem um significado muito diferente daquele que imaginamos.
“A Separação” (Irã/2011) do diretor Ashgar Farhadi trata justamente sobre liberdade de ir e vir, sobre a vontade e o livre-arbítrio da personagem Namin que tenta sair do país rumo ao ocidente e quer levar a filha Termeh, mas não consegue sem a permissão do marido Nader. Este é o ponto de partida de um drama aparentemente pessoal que na verdade é um dilema que alcança a família inteira e conflita diretamente com as leis e códigos do Islã, e atinge nosso senso de liberdade e democracia num choque cultural direto e nos dá uma vaga idéia de como funciona o sistema do mundo islâmico sem as distorções da lente ocidental. É um microcosmo mostrado por quem tem conhecimento de causa e reflete o universo por vezes cruel do mundo islâmico.
Ashgar Fahradi não foge ao estilo genuinamente simples e ao mesmo tempo rico da estética iraniana, pois ao tirar os véus que encobrem o cenário do Irã do século XXI, mostra-nos uma realidade complexa e assustadora do país dos mulás e aiatolás, onde as coisas não se resolvem tão facilmente. Situações que parecem corriqueiras para a mentalidade ocidental, como a separação de um casal e a guarda da filha, assumem a forma de um monstro invisível com várias garras que imobilizam principalmente a mulher e a criança dentro da sociedade patriarcal e islâmica. É perceptível nas personagens como os códigos e dispositivos do Islã são cobrados recíprocamente no quotidiano dos indivíduos. Essa patrulha religiosa é tão pior quanto uso do chador e do véu pelas mulheres como símbolos da opressão e autoritarismo, e não apenas como perpetuação das tradições.
A narrativa é repleta de pistas que nos deixam perplexos quanto ao poder da religião sobre o interesse coletivo e individual. Namin quer deixar o país rumo ao “exterior” para não deixar sua filha “naquelas condições”, aqui estão implícitos o ocidente e a opressão. O próprio pai reconhece que a lei desenhada pela religião é arbitrária e não pondera.
O filme de Ashgar Farhadi teve uma visibilidade mundial e nos mostrou uma realidade impactante. Talvez ele venha a pagar um preço alto por isso, como tantos outros artistas, intelectuais e artistas que vivem sob o regime fechado do Irã.
O desfecho desse drama não apresenta o fim que desejamos, porém, com certeza, ao término do filme deixamos a sala pensando sobre conceitos tão antagônicos entre ocidente e oriente no que se refere à vida social, econômica e política e o quanto não dos damos conta do valor da liberdade e democracia em que vivemos no Brasil. (Elias Neves)
quinta-feira, 12 de abril de 2012
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