INGMAR BERGMAN
Artigo de Maiolino de Castro Miranda,
Psiquiatra, crítico de cinema, professor aposentado da Universidade Federal do Pará
Bergman por Bergman - “Os personagens de meus filmes são exatamente como eu: animais movidos pelos instintos e que raciocinam enquanto falam. Em meus filmes a função intelectual é relativamente reduzida. O corpo constitui a parte principal com um pequeno tubo que o comunica com a alma.” “O tema de meus filmes? Experiências vividas.” “A função de ponto de mira desempenhada pelos artistas me constrange profundamente. São eles que estão sempre em cena ou diante da câmera. São eles que se expõem, até o esqueleto, enquanto nós estamos protegidos e podemos fugir de qualquer situação com um sorriso ou uma pilhéria. Eles não. Não podem fugir nem errar, tem de permanecer lá, com seus corpos e rostos. É a decência mais elementar portanto que nos faz tomar sempre o partido dos atores.” “O único gesto que realmente vale a pena é o que estabelece contato, o que comunica, o que sacode a passividade e a indiferença das pessoas.” “Nós dormimos no sapato de nossa infância.” (Marie Wine) Ver as autobiografias “A Lanterna Mágica” e “Imagens”.
Morangos Silvestres têm estrutura narrativa clássica, com um processo de purificação e de catarse aristotélica (influências do teatro). O filme é simples, podendo ser interpretado como um road movie. Essa viagem interior permite excursionar em todas as direções. Ver “A viagem à Itália” de Rosselini e “Pierre le fou” (“O demônio das 11 horas”) de Goddard. Segundo Henri Agel em “Le cinema a-til une àme?” ( O cinema tem uma alma?) ,o que caracteriza o verdadeiro cineasta é que eles escolhem a crônica como narrativa.
A obra de Bergman e Michelângelo Antonioni tratam, ambas, com estilos diferentes, do tema da incomunicação entre os homens e entre os homens e a divindade (ver “Passageiro, Profissão Repórter”, a cena final). Para o poeta Ezra Pound, os grandes artistas são antenas sensíveis da raça que captam as crises do mundo e representam o que é essencial em cada civilização. Os filmes de Bergman se situam numa longa tradição do cinema sueco, de M. Stiller, Sjoberg, Victor Sjostrom. Bergman questiona em “Através do espelho”, “o direito do artista comportar-se como parasita social”.
Em “O 7º selo”, Bergman escolhe o artista medieval como modelo ético de conduta.” Ele se identifica com o artesão anônimo, que construiu junto com outros anônimos como ele, a Catedral de Chartres. Parece que na época moderna a Arte perdeu seu impulso criador no instante em que se separou do culto religioso (Ver Walter Benjamin – o conceito de “perda da aura”, inspirado na noção de desencantamento do mundo de Max Weber). Cortou o cordão umbilical e agora vive sua própria vida estéril, procriando e prostituindo-se (Ver o ensaio crítico sobre Bergman “40 obras”).
No passado, o artista permanecia na sombra, desconhecido e sua obra era para a glória de Deus. Vivia e morria sem ser mais ou menos importante que outros artesãos, “valores eternos, imortalidade e obra-prima eram termos inaplicáveis em seu caso. A habilidade para criar era um dom. Num mundo semelhante floresciam a segurança invulnerável e a humildade natural.” Em “A fonte da Donzela”, Bergman reconstrói a noção de sagrado num mundo desencantado, sacralizando o Amor – mas em matéria de amor – diz o personagem de Cenas de um Casamento – “somos todos analfabetos”.
Influências estéticas recebidas por I. Bergman: o expressionismo alemão de Murnau e a Kamer spiel e Erich Stroheim, a estética de Eisenstein. O realismo de “Viagem à Itália”, de Rosselini. “O Grito” de Antonioni com Álida Valle. O realismo lírico de Marcel Carné e Ed. Duvivier. “Acossado” (A Bout de Souffle) de Jean-Luc Goddard usa a técnica teatral na qual o personagem dirigi-se ao espectador, quebrando o halo de fantasia pela introdução da realidade.
Dentre a imensa filmografia de Bergman (mais de 50 filmes) destaco três núcleos narrativos temáticos: a primeira fase que começou como excelente roteirista de Alf Sjoberg de “Hets” (Tortura do Desejo), a criação de um clima de angústia, opressivo, sombrio, talvez a semelhante inicial do clima de angústia existencial da obra de Kierkgaard (precursor do Existencialismo) “Tratado do Desespero Humano”, “O matrimônio” e “As dores do Mundo” de Shopenhauer com sua visão pessimista da vida. O idealismo kantiano e o existencialismo de Sartre em “O ser e o nada”. Muitas dessas supostas influências filosóficas citadas pelos críticos são difíceis de identificar em seus filmes.
Três temas se destacam: na primeira fase (de 1945 a 1950) com “A Prisão” (Fangels), aborda as ansiedades imaturas de jovens desgarrados em busca do hedonismo, descoberta da vida sexual e um sentido para suas vidas. Bergman realizou trilogias e tetralogias.
A trilogia sobre o silêncio: “O silêncio”, Luz de Inverno”, “Através do Espelho”, sobre o tema da extrema solidão do homem, Bergman (meus filmes tem sempre algo de mim) que clama desesperado para um Deus aparentemente frio e indiferente aos apelos humanos.
O tema dos conflitos psicológicos. Trata da identificação: “Persona”, “O rosto”, “Vergonha”, “Paixão de Ana”. Os conflitos familiares: “Cenas de um casamento”, “A hora do amor”.
Temáticas psicanalíticas: “Morangos Silvestres”,“Gritos e Sussurros”. Temática metafísica: “O 7º selo”. O autobiográfico “Fanny e Alexander”. Considero Morangos Silvestres seu filme mais maduro, porque harmoniza temas da experiência de frustrações amorosas, falta de sentido para a vida usando reminiscências. Sonhos, o pesadelo misturando conceito psicanalítico de neurose de repetição de conduta.
Influenciou o cinema de A. Tarkovsky, Woody Allen, Jonh Cassavetes “Faces” e no Brasil Walter Hugo Koury. Amava os filmes de Chaplin e John Ford.
Estilo: aproveitou sua imensa experiência como dramaturgo. Dirigiu mais de 150 peças de teatro universal, dos clássicos gregos a Shakespeare, Molière, T. Williams e principalmente a obra de Strindberg, para fazer um cinema centrado na arte da dramaturgia. Meticuloso como Kubrick na construção de um clima dramático. O domínio da Arte de representar, a seleção da mesma equipe de grandes intérpretes, a aliança com o fotógrafo SvenNykvist.
Um dos poucos cineastas que sabe usar a cor como elemento dramático, uso funcional em Gritos e Sussurros: o quarto em vermelho e ausência do azul. Realizou comédias, farsa burlesca como “Sonhos de uma noite de Amor”, baseado na obra de Shakespeare. Temática feminina: “Quando as mulheres esperam”. Relação com a música: “A flauta mágica”, “Saraband”, “Ensaio de Orquestra”.
Artigo de Maiolino de Castro Miranda,
Psiquiatra, crítico de cinema, professor aposentado da Universidade Federal do Pará
Bergman por Bergman - “Os personagens de meus filmes são exatamente como eu: animais movidos pelos instintos e que raciocinam enquanto falam. Em meus filmes a função intelectual é relativamente reduzida. O corpo constitui a parte principal com um pequeno tubo que o comunica com a alma.” “O tema de meus filmes? Experiências vividas.” “A função de ponto de mira desempenhada pelos artistas me constrange profundamente. São eles que estão sempre em cena ou diante da câmera. São eles que se expõem, até o esqueleto, enquanto nós estamos protegidos e podemos fugir de qualquer situação com um sorriso ou uma pilhéria. Eles não. Não podem fugir nem errar, tem de permanecer lá, com seus corpos e rostos. É a decência mais elementar portanto que nos faz tomar sempre o partido dos atores.” “O único gesto que realmente vale a pena é o que estabelece contato, o que comunica, o que sacode a passividade e a indiferença das pessoas.” “Nós dormimos no sapato de nossa infância.” (Marie Wine) Ver as autobiografias “A Lanterna Mágica” e “Imagens”.
Morangos Silvestres têm estrutura narrativa clássica, com um processo de purificação e de catarse aristotélica (influências do teatro). O filme é simples, podendo ser interpretado como um road movie. Essa viagem interior permite excursionar em todas as direções. Ver “A viagem à Itália” de Rosselini e “Pierre le fou” (“O demônio das 11 horas”) de Goddard. Segundo Henri Agel em “Le cinema a-til une àme?” ( O cinema tem uma alma?) ,o que caracteriza o verdadeiro cineasta é que eles escolhem a crônica como narrativa.
A obra de Bergman e Michelângelo Antonioni tratam, ambas, com estilos diferentes, do tema da incomunicação entre os homens e entre os homens e a divindade (ver “Passageiro, Profissão Repórter”, a cena final). Para o poeta Ezra Pound, os grandes artistas são antenas sensíveis da raça que captam as crises do mundo e representam o que é essencial em cada civilização. Os filmes de Bergman se situam numa longa tradição do cinema sueco, de M. Stiller, Sjoberg, Victor Sjostrom. Bergman questiona em “Através do espelho”, “o direito do artista comportar-se como parasita social”.
Em “O 7º selo”, Bergman escolhe o artista medieval como modelo ético de conduta.” Ele se identifica com o artesão anônimo, que construiu junto com outros anônimos como ele, a Catedral de Chartres. Parece que na época moderna a Arte perdeu seu impulso criador no instante em que se separou do culto religioso (Ver Walter Benjamin – o conceito de “perda da aura”, inspirado na noção de desencantamento do mundo de Max Weber). Cortou o cordão umbilical e agora vive sua própria vida estéril, procriando e prostituindo-se (Ver o ensaio crítico sobre Bergman “40 obras”).
No passado, o artista permanecia na sombra, desconhecido e sua obra era para a glória de Deus. Vivia e morria sem ser mais ou menos importante que outros artesãos, “valores eternos, imortalidade e obra-prima eram termos inaplicáveis em seu caso. A habilidade para criar era um dom. Num mundo semelhante floresciam a segurança invulnerável e a humildade natural.” Em “A fonte da Donzela”, Bergman reconstrói a noção de sagrado num mundo desencantado, sacralizando o Amor – mas em matéria de amor – diz o personagem de Cenas de um Casamento – “somos todos analfabetos”.
Influências estéticas recebidas por I. Bergman: o expressionismo alemão de Murnau e a Kamer spiel e Erich Stroheim, a estética de Eisenstein. O realismo de “Viagem à Itália”, de Rosselini. “O Grito” de Antonioni com Álida Valle. O realismo lírico de Marcel Carné e Ed. Duvivier. “Acossado” (A Bout de Souffle) de Jean-Luc Goddard usa a técnica teatral na qual o personagem dirigi-se ao espectador, quebrando o halo de fantasia pela introdução da realidade.
Dentre a imensa filmografia de Bergman (mais de 50 filmes) destaco três núcleos narrativos temáticos: a primeira fase que começou como excelente roteirista de Alf Sjoberg de “Hets” (Tortura do Desejo), a criação de um clima de angústia, opressivo, sombrio, talvez a semelhante inicial do clima de angústia existencial da obra de Kierkgaard (precursor do Existencialismo) “Tratado do Desespero Humano”, “O matrimônio” e “As dores do Mundo” de Shopenhauer com sua visão pessimista da vida. O idealismo kantiano e o existencialismo de Sartre em “O ser e o nada”. Muitas dessas supostas influências filosóficas citadas pelos críticos são difíceis de identificar em seus filmes.
Três temas se destacam: na primeira fase (de 1945 a 1950) com “A Prisão” (Fangels), aborda as ansiedades imaturas de jovens desgarrados em busca do hedonismo, descoberta da vida sexual e um sentido para suas vidas. Bergman realizou trilogias e tetralogias.
A trilogia sobre o silêncio: “O silêncio”, Luz de Inverno”, “Através do Espelho”, sobre o tema da extrema solidão do homem, Bergman (meus filmes tem sempre algo de mim) que clama desesperado para um Deus aparentemente frio e indiferente aos apelos humanos.
O tema dos conflitos psicológicos. Trata da identificação: “Persona”, “O rosto”, “Vergonha”, “Paixão de Ana”. Os conflitos familiares: “Cenas de um casamento”, “A hora do amor”.
Temáticas psicanalíticas: “Morangos Silvestres”,“Gritos e Sussurros”. Temática metafísica: “O 7º selo”. O autobiográfico “Fanny e Alexander”. Considero Morangos Silvestres seu filme mais maduro, porque harmoniza temas da experiência de frustrações amorosas, falta de sentido para a vida usando reminiscências. Sonhos, o pesadelo misturando conceito psicanalítico de neurose de repetição de conduta.
Influenciou o cinema de A. Tarkovsky, Woody Allen, Jonh Cassavetes “Faces” e no Brasil Walter Hugo Koury. Amava os filmes de Chaplin e John Ford.
Estilo: aproveitou sua imensa experiência como dramaturgo. Dirigiu mais de 150 peças de teatro universal, dos clássicos gregos a Shakespeare, Molière, T. Williams e principalmente a obra de Strindberg, para fazer um cinema centrado na arte da dramaturgia. Meticuloso como Kubrick na construção de um clima dramático. O domínio da Arte de representar, a seleção da mesma equipe de grandes intérpretes, a aliança com o fotógrafo SvenNykvist.
Um dos poucos cineastas que sabe usar a cor como elemento dramático, uso funcional em Gritos e Sussurros: o quarto em vermelho e ausência do azul. Realizou comédias, farsa burlesca como “Sonhos de uma noite de Amor”, baseado na obra de Shakespeare. Temática feminina: “Quando as mulheres esperam”. Relação com a música: “A flauta mágica”, “Saraband”, “Ensaio de Orquestra”.
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