DOIS ENFOQUES DA VIOLÊNCIA
O bom senso afirma que em cinema toda exposição explicita e gratuita da violência deve ser evitada. Hoje dois filmes em exibição exemplificam a afirmativa : “Procurado” e “Reino Proibido”.
“Procurado”(Wanted/EUA,2008) é tudo o que se deve abominar como amostragem do ato violento. O tema chega a ser sórdido: uma confraria milenar que se especializa em matar pessoas como uma espécie de filtragem do que se tenha por um bom caráter. Nada mais especifico de teoria nazista, ou, mais atrás no tempo, da espartana (em Esparta, as crianças deficientes eram sacrificadas) e da esquimó (primogênitos do sexo feminino eram entregues aos ursos). No caso, um rapaz americano é seqüestrado por representantes dessa facção criminosa pelo fato dele ser filho de um desertor do grupo. E como este personagem era considerado corajoso e bom de briga, o jovem é guinado a ser um digno sucessor, passando a matar quem fosse assim designado pelos chefes.
O original é uma história em quadrinho de Michael Brandt e Derek Hassm também autores do roteiro. A direção é do russo Timur Bekmambetov, o mesmo de “Anjos da Noite”(2004) e uma seqüência (2006). Do cineasta espera-se e chega um artesanato nervoso, seqüências com uma infinidade de tomadas, angulação bizarra e enquadramento que aproveita detalhes do quadro anamórfico. Também se espera o uso da cor de acordo com o assunto desde que se considere certos tons aberrantes como estímulos. Mas o que prevalece é o registro do ato violento. São corpos dilacerados, sangue derramado em abundancia, tiros e facadas em grande escala, e tudo isso sem nenhum pudor, sem nenhum senso de humanismo.
É claro que o mocinho se rebela contra a confraria e fica sabendo da verdade sobre o pai (nada a ver com a versão dos bandidos) Mas a posição do personagem não quer dizer que haja um detalhe moral resumindo a história. Matar por matar, ou por bem ou por mal, é a fotogenia procurada (e alcançada) numa trama absurda inteiramente.
O filme é um absurdo em nome do bom senso. Perdida na guerra da má qualidade está Angelina Jolie, muito magra (antes de engravidar dos gêmeos) e Morgan Freeman, antes de “Batman, o Cavaleiro das Trevas” e do desastre que quase custa a sua vida.
“Reino Proibido”(Forbidden Kingdom/EUA,2008), dirigido por Rob Minkoff de uma história de John Fusco é um conto de fadas sem fadas. Na China de tempos remotos um imperador valente é dominado e transformado em estatua. Quem domina é um homem cruel, que além de sua administração despótica ainda toma de um poção que lhe dá a imortalidade. Nos EUA de hoje um rapaz aficcionado de kung fu encontra no brechó que freqüenta, em Chinatown, um bastão que o dono da casa diz pertencer ao imperador hoje encantado. Uma invasão da loja por marginais leva o jovem a seguirar op bastão e com isso ser transportado no tempo e no espaço para o lugar da China onde está o imperador-estátua e reina o substituto cruel.No caminho, o moço encontra um mestre de artes marciais que só vive bêbado e um monge também especialista em defesa pessoal. Esses personagens vão ajudar na luta pela volta da normalidade na corte chinesa.
O filme conta com a presença de dois “monstros sagrados” do kung-fu: Jackie Chan e Jet Li. Eles vão se enfrentar mais uma vez em duelo, mas como são estrelas de artes marciais não assumem liderança (a luta sempre dá em empate). Mesmo porque nem Chan nem Jet-Li são vilões. O vilão é vivido por Colin Chu. E ainda tem o concurso de mulheres, uma do lado dos mocinhos, outra do lado dos bandidos. É neste gênero que se dão as baixas:morrem tanto a vilã como a heroína. E não se diga que os outros não corram perigo. O personagem do sempre engraçado Jackie Chan chega a ficar semi-morto e é salvo por pendores mágicos.
O interessante é que o filme apresenta muitas brigas, muitas lutas com armas brancas, mas não exibe derrame de sangue nem deformações físicas. A violência chega a ser coreografada, transformando a ação em um “musical sem música”. Por isso, o filme é inócuo, valendo como um espetáculo de ação puro e simples, com hábeis especialistas em um gênero de luta que mostram as suas qualidades como ginastas, nunca como guerreiros.
Os dois filmes estão em cartaz em salas próximas;.O espectador pode averiguar a diferença de tratamento de um determinado tema vendo os dois títulos. Enquanto em “Procurado” o que pesa é a explicitude do ato violento, a amostragem das conseqüências da ação, propondo um tipo de realismo que na verdade é uma composição bizarra do que se vê como sadismo (termo que vai além do que escreveu o Marquês de Sade), em “Reino Proibido” é um tipo de manifestação artística de raiz cultural muito antiga. Eu escrevi que é “um conto de fadas sem fada” e também “um musical sem musica”. As comparações procedem numa visão elegante da defesa pessoal, na fantasia dos vôos dos lutadores e na maestria dos que movem os músculos para derrubar adversário (sem a intenção de matar alguém).
O filme com Jet Li e Jackie Chan nada tem de excelente, mas diverte sem macular o sentido critico natural de um cinéfilo. O interpretado por Angelina Jolie e Morgan Freeman é um visual caprichado de um mau tema com um desenvolvimento que não reduz esse mal.(Luzia Álvares)
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terça-feira, 2 de setembro de 2008
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