segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Filmes que Incomodam

Quem disse que cinema é a maior diversão? Alguns críticos acharam os filmes “Império dos Sonhos” e”Ensaio sobre a Cegueira” incomodativos (ou “inconfortáveis”). O primeiro porque “não tem pé nem cabeça”e o segundo porque mete pé na cabeça e acaba deixando galos.
“Império....” é o devaneio de David Lynch em que o ato de interpretar é tabu. Quem pode dizer como fica passando a atriz (Laura Dern) que faz a versão de um filme maldito onde os principais interpretes foram assassinados ? “Ensaio...” é um mergulho na obra de José Saramago que todo mundo dizia ser difícil de filmar, uma fabula em que a cegueira do mundo, alertada por poetas, ganha o pé da letra e mostra que realmente os olhos representam a janela da alma.
Os dois filmes foram feitos para intrigar, instigar, polemizar, não para digerir junto a um saco de pipocas. Claro que a grande critica acha o máximo Lynch mandar às facas resquícios de “plot”(enredo) e rir de quem contar uma história de seu roteiro. Esta mesma critica talvez não goste tanto do que fez Fernando Meirelles, não pelo fato de santo de casa estar isento de produzir milagre, mas por “simplificar” a temática do original literário em nível de uma ficção-cientifica (não é, mas acham).
Os exemplos se tocam numa proposta visual que contrasta com outro programa da cidade: o ciclo de Manoel de Oliveira. Ali é o reverso: a palavra maneja a ação, a palavra faz cinema.
No bojo dessa programação muito distante dos áureos tempos dos musicais da Metro, vê-se que cinema é muito mais do que as vãs filosofias pensam em discernir. Perseguir o inconsciente, dando forma a coisas que não se armam como em um quebra-cabeça, ou vislumbrar o caos ao invés de coitadinhos cegos, é o reverso do chamado “divertissement”. E ouvir ou ler Oliveira, geralmente com base em obras que ele leu, é jogo de paciência. Nisso tudo chega um aprendizado, ou um modo de ver/ouvir. Muitas vezes somos cegos diante do que não entendemos de imediato. Nunca nos criticamos por isso: criticamos sim, quem nos deixa com esse tipo de análise. Se há lição a tirar desse conceito é o que deriva da confiança nos autores, da certeza de que não se estão brincando em nossos campos.
Mas sejamos autênticos: rever e rever certos filmes e ainda assim não aceitá-los é uma condição que merece respeito. E se corporifica com argumentos. Eu discuto sonho e surrealismo (um nada tem a ver com outro), penso que uma organização de cegos implica num discurso diferente do de Meirelles e ainda custo a conciliar a palavra como movimento, ou cinemática, na obra do quase centenário cineasta luso. Como não li o livro de Saramago, nem alguns citados por Oliveira, fico no que sei sobre o conceito de sonho desde Freud. Penso que para admirar Lynch é preciso mandar às favas as raízes da psicanálise. Mas é como você tratar de dor de barriga sem falar em espasmo intestinal. (Pedro Veriano)

Um comentário:

Bebela disse...

Obrigado!
sem comentários!
:)

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