No seu filme “Em Busca da Vida” o cineasta chinês Jia Zhang Ke focalizou as mudanças drásticas que acontecem na China de hoje, reportando os acontecimentos referentes à inundação de uma cidade devido à construção de uma usina hidroelétrica. Nesse filme, um trabalhador dirige-se para a região em busca da esposa e da filha de quem se separara há algum tempo objetivando arranjar trabalho em um meio mais adiantado. O retorno dimensiona as mudanças desde sua partida. A nova China destrói um ambiente virtualmente pobre, modernizando uma parte em detrimento de outras.
O documentário “Inútil”(Wuyoung/China, Hong Kong, 2007), tem o reflexo de uma obra de autor. E explora o mundo do trabalho, da doença, do “que fazer” com o que faz o operário ou operária, ou seja, com os objetos produzidos naqueles espaços cinzentos. A câmera em tomada inicial se depara com uma fábrica de roupas, adentrando o lugar, percorrendo os corredores e os salões atulhados de máquinas de costuras, onde mulheres manejam o instrumento de trabalho, também se refletindo essas imagens no som ensurdecedor e uníssono desse aparelho onde são manufaturadas as roupas. Não se ouvem conversas nem gestos de contato entre eles, salvo a atenção no objeto que produzem e, alguma vez, uma gestual labial. Através de travellings laterais, a câmera atravessa outros locais e se mescla a operários que esperam uma consulta médica. O “refrão” dos sintomas expressa a opinião do doutor sobre níveis de estresse, cansaço, outras formas de doença a que são submetidos os então pacientes. Novo mergulho pelos caminhos da fábrica e o foco agora submete um refeitório vazio, asséptico, as aparelhagens que devem acondicionar os alimentos e o balcão metálicos esperando pessoas para a refeição. Aos poucos alguns chegam e recolhem suas marmitas de um armário frontal, capturado anteriormente, em grande plano, pela câmera.
A nova seqüência, após a exposição da fábrica e do povo que por lá circula é para o ateliê de uma estilista chinesa, Ma Ke cuja “trademark é a“ Exceptional”, criada por ela e, também a marca Wu Young (Inútil). Sua posição é bem definida quando observa a valorização das roupas feitas a mão, dizendo que estas possuem uma história, não captada pelas máquinas das fábricas de produção em massa, daí porque podem ser descartadas, devido a serem “de má qualidade”. Ela observa sobre a possibilidade de enterrar as roupas para absorverem sentido, se tornarem orgânicas e com a sua coleção Wu Young, Ma Ke instala suas peças na Fashion Week 2007, em Paris, numa demonstração criativa de sua posição pessoal: os modelos são maquilados como se tivessem saído de uma carvoaria, postados sob pedestais, luzes enfocam, aos poucos, esses humanos objetivados, surpreendendo aos que transitam para “ver a moda”, traduzida no que vestem aquelas imagens estáticas, como que saídas do lodo ou de uma mina de carvão, sintetizando a produção econômica local, roupas rústicas da grife experimental da estilista, fabricadas artesanalmente. Outro detalhe desta seqüência é que ao invés do desfile tradicional, é o público que circula entre os cubos animados com aquela fantasmática visão de moda.
Fenyang é o próximo lugar a ser visitado, na China, por Ma Ke, onde ela se eclipsa, mas leva o espectador a percorrer e avaliar aquela cidade mineira onde transitam os operários, as mulheres trabalham em sua vidinha rústica e simples, produzem tudo o que têm na casa e o que consomem. Poeira, bruma, caras humanas enegrecidas, riscas de rugas nas faces marcadas pela insalubridade. Alguns posam para a câmera, narram seus casos, e a transformação a que foram levados pelo encarecimento dos produtos fabricados em massa e o baixo salário. São novos tempos. A narração desse estado de coisas vem através de um ex-alfaiate que pouco depois surge adquirindo uma “roupa de loja” para sua esposa.
Pergunta-se: Jia Zhang-ke criou um filme sobre moda? Ao iniciar suas imagens pela fábrica de alta tecnologia, asséptica, mas desumanizada pela alienação do produto que sai das mãos de um contingente de operários, mostra o processo anônimo destes e das peças produzidas adquiridas por consumidores desconhecidos; adentra na filosofia pertinaz da estilista que se enreda na quebra desse anonimato tomando a si o encargo de mostrar que esses objetos têm sentido quando produzidos por mãos humanas; e se derrama num outro veio de vivência onde a força da vida demonstra o sentido que cada um, com suas misérias, faz realçar mesmo na insalubridade, dando força a estilos de vida, alguns arruinados, outros emergindo, mas acima de tudo, criando histórias. A realidade certifica o mundo de seus extremos, onde há renascimentos e mortes em moto continuo, pela força humana criadora. É a dialética circundante de uma visão supostamente racional que muitos querem impor, mas se deparam com as interrupções inesperadas. Os trabalhadores são sufocados pela grande indústria: um ex-alfaiate que se torna mineiro, um colega que permanece no exercício da costura, sendo mais um “remendão”, como diz a mulher que lhe leva uma calça para ele costurar um buraco que “tornou a abrir”.
É outro lado da moda, o vestir simbólico do que a linguagem vai mostrando na depreciação da vida humana pela maquinaria, mas que não se deixa abater e reanimada pela existência cotidiana.
A linguagem do cineasta chinês é lenta, detalhista, não demonstrando a menor concessão com a aceitação de um público acostumado com os filmes comerciais de qualquer país. Sabe-se que mesmo na China a produção capitaneada por Hollywood tem boa guarida e o próprio cinema chinês diversificou a ponto de mostrar superproduções de artes marciais como “Herói”.
Inútil seria a moda que restringe o poder aquisitivo do consumidor ou a sua noção de sentido da vida. Um trabalho instigante, especialmente se for considerado como um exemplo de arte engajada em um ideal, de um artesanato meticuloso para contar o que vê no mundo que muda a cada dia.
Cotação: Muito Bom (****).
O documentário “Inútil”(Wuyoung/China, Hong Kong, 2007), tem o reflexo de uma obra de autor. E explora o mundo do trabalho, da doença, do “que fazer” com o que faz o operário ou operária, ou seja, com os objetos produzidos naqueles espaços cinzentos. A câmera em tomada inicial se depara com uma fábrica de roupas, adentrando o lugar, percorrendo os corredores e os salões atulhados de máquinas de costuras, onde mulheres manejam o instrumento de trabalho, também se refletindo essas imagens no som ensurdecedor e uníssono desse aparelho onde são manufaturadas as roupas. Não se ouvem conversas nem gestos de contato entre eles, salvo a atenção no objeto que produzem e, alguma vez, uma gestual labial. Através de travellings laterais, a câmera atravessa outros locais e se mescla a operários que esperam uma consulta médica. O “refrão” dos sintomas expressa a opinião do doutor sobre níveis de estresse, cansaço, outras formas de doença a que são submetidos os então pacientes. Novo mergulho pelos caminhos da fábrica e o foco agora submete um refeitório vazio, asséptico, as aparelhagens que devem acondicionar os alimentos e o balcão metálicos esperando pessoas para a refeição. Aos poucos alguns chegam e recolhem suas marmitas de um armário frontal, capturado anteriormente, em grande plano, pela câmera.
A nova seqüência, após a exposição da fábrica e do povo que por lá circula é para o ateliê de uma estilista chinesa, Ma Ke cuja “trademark é a“ Exceptional”, criada por ela e, também a marca Wu Young (Inútil). Sua posição é bem definida quando observa a valorização das roupas feitas a mão, dizendo que estas possuem uma história, não captada pelas máquinas das fábricas de produção em massa, daí porque podem ser descartadas, devido a serem “de má qualidade”. Ela observa sobre a possibilidade de enterrar as roupas para absorverem sentido, se tornarem orgânicas e com a sua coleção Wu Young, Ma Ke instala suas peças na Fashion Week 2007, em Paris, numa demonstração criativa de sua posição pessoal: os modelos são maquilados como se tivessem saído de uma carvoaria, postados sob pedestais, luzes enfocam, aos poucos, esses humanos objetivados, surpreendendo aos que transitam para “ver a moda”, traduzida no que vestem aquelas imagens estáticas, como que saídas do lodo ou de uma mina de carvão, sintetizando a produção econômica local, roupas rústicas da grife experimental da estilista, fabricadas artesanalmente. Outro detalhe desta seqüência é que ao invés do desfile tradicional, é o público que circula entre os cubos animados com aquela fantasmática visão de moda.
Fenyang é o próximo lugar a ser visitado, na China, por Ma Ke, onde ela se eclipsa, mas leva o espectador a percorrer e avaliar aquela cidade mineira onde transitam os operários, as mulheres trabalham em sua vidinha rústica e simples, produzem tudo o que têm na casa e o que consomem. Poeira, bruma, caras humanas enegrecidas, riscas de rugas nas faces marcadas pela insalubridade. Alguns posam para a câmera, narram seus casos, e a transformação a que foram levados pelo encarecimento dos produtos fabricados em massa e o baixo salário. São novos tempos. A narração desse estado de coisas vem através de um ex-alfaiate que pouco depois surge adquirindo uma “roupa de loja” para sua esposa.
Pergunta-se: Jia Zhang-ke criou um filme sobre moda? Ao iniciar suas imagens pela fábrica de alta tecnologia, asséptica, mas desumanizada pela alienação do produto que sai das mãos de um contingente de operários, mostra o processo anônimo destes e das peças produzidas adquiridas por consumidores desconhecidos; adentra na filosofia pertinaz da estilista que se enreda na quebra desse anonimato tomando a si o encargo de mostrar que esses objetos têm sentido quando produzidos por mãos humanas; e se derrama num outro veio de vivência onde a força da vida demonstra o sentido que cada um, com suas misérias, faz realçar mesmo na insalubridade, dando força a estilos de vida, alguns arruinados, outros emergindo, mas acima de tudo, criando histórias. A realidade certifica o mundo de seus extremos, onde há renascimentos e mortes em moto continuo, pela força humana criadora. É a dialética circundante de uma visão supostamente racional que muitos querem impor, mas se deparam com as interrupções inesperadas. Os trabalhadores são sufocados pela grande indústria: um ex-alfaiate que se torna mineiro, um colega que permanece no exercício da costura, sendo mais um “remendão”, como diz a mulher que lhe leva uma calça para ele costurar um buraco que “tornou a abrir”.
É outro lado da moda, o vestir simbólico do que a linguagem vai mostrando na depreciação da vida humana pela maquinaria, mas que não se deixa abater e reanimada pela existência cotidiana.
A linguagem do cineasta chinês é lenta, detalhista, não demonstrando a menor concessão com a aceitação de um público acostumado com os filmes comerciais de qualquer país. Sabe-se que mesmo na China a produção capitaneada por Hollywood tem boa guarida e o próprio cinema chinês diversificou a ponto de mostrar superproduções de artes marciais como “Herói”.
Inútil seria a moda que restringe o poder aquisitivo do consumidor ou a sua noção de sentido da vida. Um trabalho instigante, especialmente se for considerado como um exemplo de arte engajada em um ideal, de um artesanato meticuloso para contar o que vê no mundo que muda a cada dia.
Cotação: Muito Bom (****).
Luzia Miranda Álvares
2 comentários:
Vocês, a APJCC, dividem os esforços em vários blogs e poderiam concentrar tudo num só lugar.
http://cineliberoluxardo.blogspot.com/
http://espacomunicipalcineolympia.blogspot.com/
Gilson
Sei que são várias instituições com várias pessoas envolvidas, mas alguns abaixo, que têm a proposta de colocar todo o circuito alternativo da cidade, acabam dividindo esforços e nenhum fica totalmente atualizado.
Mais:
http://sessaocult.blogspot.com/
http://cineliberoluxardo.blogspot.com/
http://espacomunicipalcineolympia.blogspot.com/
http://www.accpara.blogspot.com/
http://cllsomnatela.blogspot.com/
http://cllmaldita.blogspot.com/
http://apjcc.blog.terra.com.br/
Gilson
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