O filme “A Garota que Ficou em Casa” (The Girl Who Stayed at Home/EUA,1919) de David Wark Griffith exibe-se na sessão CINEMATECA, no cine Olympia, neste sábado, promoção da ACCPA. Não é dos mais conhecidos ou aplaudidos trabalhos do cineasta considerado “o pai do cinema”, por seu pioneirismo na criação dos elementos que fazem a linguagem cinematográfica. Mas para alguns de nós, paraenses, tem significativa importância pelo fato de ter no elenco um conterrâneo. Trata-se de Synésio Mariano de Aguiar (1894-1990). Por ironia ele interpreta um conde francês na história de uma jovem norte-americana, filha de um confederado (homem que lutou pelo sul na Guerra Civil). A garota (Carol Dempster, atriz muito conhecida na época) vê seu namorado (Richard Barthelmess) e o amigo deste (Robert Harron), também pretendente à sua mão, partirem para a guerra (a Primeira Mundial).
Synésio era filho de um industrial paraense. No inicio do século passado, quando a fase da exploração da borracha nativa ainda deixava um pouco do seu lastro de ouro na sociedade local, o jovem seguiu a praxe das grandes famílias, sendo mandado para a Europa concluir os seus estudos básicos. Na Suíça fixou residência e por lá recebia regularmente a mesada paterna, escrevendo-lhes para contar seu aproveitamento no estabelecimento de ensino. Mas o irrequieto Synésio tinha outras pretensões. Embarcou para a América do Norte e passou a residir na Califórnia, especificamente em Hollywood, onde arranjou um quarto de pensão, dividindo a despesa de aluguel com outro estrangeiro, o italiano Rodolfo Valentino.
Por suposto, influenciado por Valentino, o paraense passou a se exibir como dançarino de tango nas boates elegantes. Entrementes, tentou se envolver com uma garota em um restaurante escrevendo-lhe um bilhete. Como resposta, a jovem referiu o seu endereço e o telefone. Tratava-se da atriz Alah Nazimova que mais tarde seria a namorada efetiva de Valentino. Através dela, o paraense conheceu um estúdio de cinema e ao presenciar uma cena onde dançavam um tango, disse ao diretor que faria melhor, demonstrando na ocasião esta qualidade. Dessa forma, foi aceito como coadjuvante do filme em produção e daí em diante passou a figurar em produções “classe A”, atuando em oito filmes durante 2 anos.
As cartas ao pai agradecendo a mesada faziam o percurso EUA-Suiça-Brasil graças à colaboração de um amigo que ficara na Suíça encarregado dessa correspondência. Mas, certo dia, o genitor soube da carreira artística do filho alertado por uma pessoa que lhe disse ter visto “o Synésio no cinema Olympia”. Ao argumentar que isso era impossível, que o Marianinho estava na Europa, o informante completou dizendo que ele estava na tela, puxando um camelo no papel do árabe Abdulah em “A Chama do Deserto” (Flame of Desert).
Contrariado com a situação, solicitou o retorno urgente do filho rebelde. Desconhecia, contudo, que este havia casado na Califórnia com Anna Pauley. Logo foi providenciado o divorcio e Syn de Conde retornou. Pelo contrato, ele teria de pagar 150 dólares/ mês à ex-esposa, com base em uma renda de 30.000. Mas o pai da jovem soube que o artista tinha em conta bancária cerca de 50.000.
De acordo com as referências extraídas do New York Times, em 1921, De Conde passou a residir em Nova York, na 118 West Seventy-Second Street. Em 1927 ele retornou ao Brasil, via Rio de Janeiro. Nesse ano estreava na então capital federal o filme “O Homem Mosca” (Safety Last, 1923) onde se via o comediante Harold Lloyd escalar um edifício. A divulgação do lançamento baseava-se nessa proeza de Lloyd, que foi assumida por Syn de Conde e, segundo ele, para provar que “não era só norte americano que tinha essa coragem”, escalando um prédio na Av. Rio Branco, e, com isso, ganhando manchetes de jornais.
Em 1928, já em Belém, o ousado ex-estudante acomodou-se como professor de inglês, na Escola Normal, casando-se com uma paraense. Teria sido um casamento arranjado pelo pai. Nada que o transformasse num sério chefe de família.
Syn de Conde só muito mais tarde foi reconhecido como o “ator paraense em Hollywood”, em 1972, através de uma informação de Adalberto Affonso, gerente local da Empresa Severiano Ribeiro, ao crítico Pedro Veriano. Na busca pelo personagem, encontrou-o doente, num dos sobrados da Av. Serzedelo Corrêa, que herdara de familiares. A atuação do critico como médico fez a amizade com o então lendário ator, que lhe mostrou um álbum com as fotos de sua atuação no mundo do cinema mudo. Tudo o que ele havia dito numa primeira entrevista e que se supunha ser delírio do ancião enfermo, foi constatado. Não só fotos com artistas famosos e de sua atuação como dançarino ao lado de sua partner (uma jovem belíssima), mas pôsteres de filmes e cartas de recomendação de gerentes de produtoras como do famoso Louis B. Mayer (da Metro Goldwyn Mayer). Esse material serviu a uma exposição do MAM carioca dirigido por Cosme Alves Neto. Depois chegou à Belém junto com a organização da primeira mostra de cinema amador e a reunião dos cineclubistas da região norte (1976). No fim da década de 1980, Synésio retornou ao Rio de Janeiro, onde faleceu em 1990.
Como se vê, a trajetória artística deste aventureiro entre as câmeras e na vida privada daria um filme. Para um documentário, o material hoje perdido e em algum lugar, talvez seja precário (não se sabe o destino de seu álbum), mas, quem sabe, um longa de ficção. Afinal, apenas esta odisséia narrada neste texto demonstra uma realidade pitoresca de um tempo em que as famílias com recursos dispunham do destino de seus filhos e estes divergiam e tomavam outro rumo. (Texto elaborado com base em pesquisa em VERIANO, P. Fazendo Fitas, UFPa, 2006; e no site IMDB).
Luzia Miranda Álvares
luziamiranda@gmail.com
sexta-feira, 5 de junho de 2009
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4 comentários:
Já pensaram em procurar pelo filho dele para homenagea-lo?
Ele é irmão do meu bisavô, da minha família por parte de pai.
Alessandro, meu nome é Marco Antonio, sou de Curitiba. Vou com frequência à Belém, pois adoro essa cidade. Estarei com uma amiga aí do dia 13/06 a 22/06. Sou um apaixonado pela época de ouro do cinema. Soube da história do Syn de Conde por uma revista chamada Cinemin em 1986. A matéria era sobre a descoberta do seu tio bisavô pelo famoso (já falecido) diretor Fábio Sabbag. Infelizmente não tenho mais a revista. Será que poderíamos nos encontrar. Gostaria muito de conversar sobre o assunto. Meu pai era João Aguiar. Dizem que todos os "Aguiar" são parentes! Vai saber...Entre em contato comigo, por favor, pelo e-mail mmarin1080@gmail.com. Fico no aguardo. Grande abraço.
Marco Marin
não encontro fotos de Synesio na internet. Alguem tem uma indicação?
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