O roteiro polifônico quebra todas as regras corretas dos engessados manuais de roteiro ainda vigentes em muitos cursos relâmpago que acontecem na cidade.
Polifônico pela liberdade e excesso narrativo (no melhor sentido estético) que pode movimentar dezenas de personagens, marcação com vários ângulos à disposição de corte documental que valoriza cada ponto recortado pela câmera, plots que se encontram e se distendem, tensões pontuais, algo meio epidérmico, e graças ao que se pode também denominar de roteiro de re-invenção, um certo desconforto emocional que remete à Bergman.
Não se trata de muitas tomadas destinadas a cartilha do cinema contemporâneo e seu abuso de corte (editite), que se torna um cacoete tanto em policiais televisivos, dramas, os filmes de gênero ou do circuito alternativo. Poucos cineastas entenderam tão bem o valor do corte como pedra fundamental da linguagem como Eisenstein, Griffith, Kubrick, De Palma, e Altman (a quem “ O Casamento de Rachel” presta tributo).
Se em “Cerimônia de Casamento” o roteiro polifônico de Jenny Lumet se desenvolve a partir de vários personagens cruelmente destratados pela mise-en-scène genial de Altman, “O Casamento de Rachel”, de Jonathan Demme, não deixa pontas soltas num roteiro que poderia muito bem se perder nas armadilhas fáceis e tentadoras que assolam dramas com tons de comédia.
No ponto alto do filme, a festa de casamento, a narrativa polifônica e visual (cinema em estado puro) utiliza a captação documental (como a câmera do irmão do noivo) para potencializar ainda mais o sentido de ficção que celebra a pluralidade de sons e imagens. É a vitória, pelo menos no cinema, da possibilidade multiétnica, multicultural das várias e infinitas formas e linguagens. Super 8, vídeo, película, digital, câmara na mão, samba, rap, folk, jazz, rock e o que vier, que seja bem vindo para expressar a possibilidade estética.
A festa também funciona como a coreografia do descontentamento, do estranhamento, da disfuncionalidade da estrutura familiar e o papel assumido por cada membro. Papéis como cargos em família, em que o sol que brilha nos vastos quintais dos subúrbios tranqüilos, definitivamente, não é para todos.
Augusto Pachêco
segunda-feira, 6 de julho de 2009
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Um comentário:
Pacheco,
Não concordo que o filme tenho um roteiro "desengessado". Gostei do despojamento do filme, da câmera solta, mas com relação ao roteiro acho que não é o ponto forte do filme. É um bom roteiro, mas sem nada demais, focado no personagem principal, no conflito com a irmã, com a morte do irmão, a "mãe-monstro", acho até que beira um pouco o clichê no bom sentido. Penso que é muito mais um bom trabalho do Jonathan Demme do que a um grande roteiro de Jenny Lumet.
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