terça-feira, 13 de outubro de 2009

Aquele Que Sabe Matar

“Il Sorpasso” só não se chamou no Brasil “O Boa Vida” porque já se tinha dado esse nome a um belo filme de Fellini (original “Il Vitelloni”). Mas a julgar pelo argumento de Ettore Scola, roteiro de Scolla, Rugero Maccari e Dino Risi, o tipo-titulo, vivido com a extroversão que se pedia de Vittorio Gassmann, é na verdade “aquele que sabe matar”. Justo pensar assim, pois no volante de um conversível o personagem ultrapassa carros num a estrada tortuosa e à beira de abismo esbanja um tipo de humor que estarrece ao invés de deixar risadas. Ao lado dele, motorista tresloucado, viaja o estudante de direito chamado Roberto (Jean Louis Trintignant) a quem conheceu horas antes da viagem, logo se tornando amigo e na jornada a caminho de Toscana mostrando os seus cantos e uma filha com quem mantém pouco contacto. O tímido Roberto é quem vai levar a pior nesse “road movie” raríssimo em termos de cinema europeu.
O interessante no roteiro é que o herói não bebe. Se passasse por uma barreira policial podia usar o bafômetro sem susto. A velocidade e a porfia pelo perigo fazem parte de um temperamento que exorta diversos tipos de frustração. O filme de Dino Risi não vai dentro desse complexo afetivo nem quer ser uma obra de Antonioni como o próprio Bruno, nome do personagem de Gassman, diz ser soporífera (ele diz: “Fui ver “O Eclipse” de Antonioni: dormi o tempo todo”).
Na sua opção pela velocidade, que se mostra na temática sugerindo um homem sofrido que deseja esquecer seus problemas, está um filme mais feliz do que muitos de propensão introspectiva feitos na Itália & adjacências. É muito feliz o texto de Scola, as falas de Maccari, e a direção coesa de Risi, um dos mestres da comédia nos anos 50,60 e 70. Por seu conjunto harmônico, “Il Sorpasso” é uma viagem vida afora com um destino fatal. Mas, no caso, para quem vai de carona. E se pergunta o que mais dói: um ferimento num desastre ou a consciência de que alguém morreu por sua culpa. Mesmo assim, não é só isso de que se trata o filme. É um tempo, um espaço, dois homens que forçam a idéia de se divertir num certo feriado. Se a câmera se aprofundasse (e não quer isso) veria que nem Bruno nem Roberto estão dispostos a correr estrada afora. Um quer se reencontrar vazando euforia, outro quer achar o seu caminho profissional estudando-e com isso relaxando a sua timidez crônica. O encontro dessas figuras tão diversas em temperamento gera um quadro improvável nos planos em que os dois riem na corrida perigosa. Mas é nesse contraste que está a base do filme. Viver perigosamente é tentar esquecer na mesma velocidade. Houve quem comparasse a “Easy Rider” mas o aspecto cultural difere. No filme americano está uma falange de uma geração indisposta. Aqui, no italiano, são exemplos isolados em suas próprias problemáticas sem liame com a condição sócio-politica vigente. A cada um a sua qualidade inclusive como cinema.
Dino Risi, morto ano passado, foi um dos bons diretores italianos de uma época de ouro. Seu nome está ao lado de Mario Monicelli em tantos títulos memoráveis. Mário ainda vive. Risi fez rir como ele mesmo chegou a dizer: “a forma de se melhor castigar”. “Il Sorpasso” é um exemplo. (Pedro Veriano)

Um comentário:

Blog de Chico Carneiro disse...

Caro Pedro,

Ao metaforizar sobre o filme "Il Sorpaso", vc esqueceu de dizer o nome correto do filme (na tradução brasileira) que foi "Aquele que sabe viver".

abs
Chico Carneiro

Arquivo do blog