O mundo vê estarrecido as flagrantes cenas de guerra entre israelenses e palestinos. Acirram-se os ódios a cada dia, no oriente médio tendo como pano de fundo quer seja a definição de terras ou a dimensão religiosa. Em outros lugares a escalada da violência se estabelece desde as questões sociais onde a quebra de valores incita a banalização da agressão pontuada seja por um ato de discriminação ou acusações infundadas em nome de uma suposta ética. O coletivo bestializado surpreende porque aproveita a ocasião e acusa ainda mais. E essa incitação não tem mais fim. Introjeta-se nas mentes o senso do racional e este passa a servir de explicação e se torna o grande trunfo para os supostos vencedores.
Ao assistir a “Gesto Obsceno” (Foul Gesture/Israel, 2006) dirigido por Tzahi Grad senti que naquele microcosmo onde se passa a ação do filme, os autores não estavam referindo apenas um caso isolado, mas traduziam as situações agressivas em construção extravasando para além fronteiras de um cotidiano doméstico.
O roteiro original de Ya'ackov Ayali e Gal Zaid trata de Michael Klienhouse (Gal Zaid), um escritor em fase de pouca inspiração para escrever um novo livro, que ao conduzir no carro da família a esposa, Tâmara (Keren Mor) e o filho menor, David (Tal Grushka) e parar por insistência dela em lugar onde outro carro está transitando, se vê diante de uma cena aparentemente comum: o carro que se acha impedido de transitar passa a buzinar ininterruptamente, a esposa pede calma ao condutor ansioso, mas quando este não atende ela revida com um gesto obsceno. Dreyfuss (Asher Tzarfati), o condutor impaciente avança de qualquer jeito e o carro dele “tira um fino” do outro, arrancando a porta do veículo do casal.
Esse é o inicio de uma ciranda de violência que o diretor Tzahi Grad trabalha em estilo minucioso, sem pressa, definindo a mudança que se opera no aparentemente pacato personagem. Michael vai à delegacia de policia relatar o acontecimento, em seguida procura a companhia de seguro que exige documentação do carro agressor. Neste caso, ele procura Dreyffus e descobre ser ele um policial com horárias, mas agressivo e que amedronta qualquer um. Mesmo assim, Michael procura-o, insiste no pedido dos documentos do seguro, tudo em vão, forçando o escritor a tomar uma atitude, arranhando o automóvel da pessoa que lhe deu prejuízo. Com isso passa a ser alvo do grupo de policiais que acompanha Dreyfuss, também um “chefão” que comanda um bar conhecido no local.
O filme centraliza a ação em Israel dos dias de hoje. E numa semana cheia de comemorações como o Dia do Holocausto, O Dia do Soldado Israelense e o Dia do Culto Pela Paz. Em cada dia e em determinada hora a sirena anuncia o momento do reconhecimento dessas datas e todos guardam um minuto de silêncio onde estiverem, numa reverência ao fato comemorado. Em meio a isso, observam-se nuanças da violência que ocorre na fronteira. Tamara é chamada ao hospital onde trabalha quando um carro-bomba atinge algumas pessoas. Michael já foi combatente, atuando na artilharia, e o seu conhecimento de armas leva-o a procurar o mercado negro para comprar o que acha ser a sua defesa contra Dreyfuss. Em suma: enquanto ocorre a guerra permanente com os palestinos, dentro do país cidadãos comuns entram em choque, partindo de desaforos morais ao desforço físico.
O último plano do filme faz analogia entre um carro-bomba dos muitos usados pelos palestinos com um artefato semelhante usado por um até então respeitado cidadão comum israelense.
“Um Gesto Obsceno” arma toda a arquitetura da violência. Não é uma “violência gratuita” como mostrou Michael Haneke no seu filme recentemente exibido por aqui. É uma violência que se corporifica a partir do silêncio das instituições e da necessidade que um homem sente em demonstrar para si e para os seus familiares (especialmente para a esposa que o desqualifica sistematicamente e ao filho pequeno) a sua necessidade de revidar a um insulto.
O trabalho de Tzahi Grad dá muito que pensar. O seu estilo seco, usando bem o elenco, retira toda a esquematização do drama. Quando o filme foi anunciado e o resumo de seu argumento chegou à imprensa, supus que ele tivesse afinidade com a produção norte-americana “Enquanto Ela Está Fora”(While She Was Out, EUA, 2008 e só em DVD) também um gesto desaforado (nem tanto obsceno) que serve de estopim a uma explosão de atos violentos. Mas há muita diferença entre os dois títulos. Na obra israelense o fato que estaria restrito a uma área particular ganha uma dimensão muito maior, chega ao âmbito da critica sobre a condição humana e avança para tratar da crítica política, embora com o cuidado em ressaltar que a violência se constrói de forma banalizada e a absorção desses atos assume um ponto crucial no status quo. Vê-se, a exemplo, a máscara do ator Gal Zaid que protagoniza Michael. A seqüência inicial apresenta-o como um homem ingênuo, dócil, assumindo o papel de conciliador quando a esposa quer que ele siga o carro que derrubou a porta do seu e quase a atropela. Ele simplesmente diz que anotou a placa. O processo narrativo mostra as mudanças graduais em suas atitudes e expressão. No final resta o close de outro homem poderoso, de um combatente que antes fizera a guerra no deserto e hoje assume a mesma posição na área urbana. E mais: contra outro tipo de inimigo.
Como eu disse acima, o desacato sistemático que certas pessoas se acostumam a aplicar nos seus semelhantes é aceito pela maioria e explicado como sem importância. É a banalidade da violência.
Há outros detalhes que servirão para um novo enfoque sobre o filme. Mas por ora deve-se registrar sua boa realização capaz de suscitar debates interessantes sobre um tema muito atual. Procurem ver. Mais um bom título do programa Moviecom Arte patrocinado pela ACCPA.
Cotação: **** (Muito Bom)
Luzia Miranda Álvares
luziamiranda@gmail.com
terça-feira, 27 de janeiro de 2009
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