segunda-feira, 16 de janeiro de 2012
O CINEMA DE PERVERSÃO
O cinema autoral de Pedro Almodóvar continua seduzindo o público com suas provocações sobre o mito da sexualidade em tempos de banalizaçãoda libido, seja pela miopia crônica do propalado excesso de imagens,seja pelo acanhamento das primeiras impressões.Para Almodóvar, não há linha tênue entre pornografia e erotismo. Ocineasta espanhol não se importa com as divisões de papéis do cinemãovigente ou confusão de posturas de Glen ou Glenda, Vitor ou Vitória,Vicent ou Vera.Seu cinema passa ao largo dos esquemas das narrativas lineares eduvidosamente confortáveis para ir fundo, navegar pelas águasturbulentas da relação tensa entre Eros e Tânatos, o que pode serobservado em filmes fortes como ‘Matador’, ‘A Lei do Desejo’, ‘MáEducação’, ‘Salto Alto’ e ‘Carne Trêmula’. São trabalhos em que o mitodo amor, da sexualidade e seus impulsos de vida, estão longe daprojeção e identificação do que poderíamos chamar de sublime, paraenfim adentrar nos abismos da paixão sem limites, da atraçãocompulsiva do mito da morte, para a hipnose trágica que arrasta ospersonagens para o inferno da relação prazer e risco.Em ‘A Pele que Habito’, o domínio narrativo se vale do flash back comofluxo de consciência na hora exata em que a ilusão da zona de confortodá uma pausa para as cabeças sobre os travesseiros na cama de Robert eVera, nesta fábula diabólica e rebelde que lança novas luzes sobre omito de Frankenstein, e a tentativa ainda inglória da medicinainvasiva em moldar o impulso de vida como se molda o bonsai do dr.Robert.Ninguém filma como Almodóvar. Seus diálogos continuam desconcertantes,assim como a ironia da encenação, a relação do desejo com as artesvisuais, o desenho fálico da máscara de silicone (como observou umacolega da crítica), marcação cerrada nos movimentos dos atores e asreviravoltas que trazem à tona dramas universais, os quais parecem nosdizer que o sexo é mesmo uma experiência da carne trêmula.(José Augusto Pacheco)
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