segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

A DAMA QUE QUERIA SER SOBERANA

Uma determinada filha de verdureiro, decide se impor numa sociedade patriarcal e lutar para dar um significado a sua existência que vá além da trinca casa/filhos/marido. Ela, Margaret Hilda Thatcher, formou-se em Oxford e ingressou na carreira política, para tornar-se a primeira mulher chefe de estado na história ocidental. Em “A Dama de Ferro”, a americana Meryl Streep incorpora não apenas o sotaque, mas as características mais sutis de Lady Thatcher, revivendo dos 49 aos 85 anos, a trajetória da ex-primeira ministra britânica.A dama de Ferro poderia ser encarada como uma cinebiografia que trata de uma mulher que almejou mais do que ser apenas uma dona de casa e explicita como a face do poder que se apodera dela e o preço que se acaba pagando por ele. Ela não quer morrer ‘lavando uma xícara de chá’, como confessa ao marido de Denis, quando ele pede sua mão em casamento. Mas, a exemplo da cinebiografia ‘J. Edgar’, o poder inebria, tornando os triunfos do passado e as recordações nem sempre gloriosas em uma droga para a idosa baronesa Thatcher, que tem como única companhia os delírios com o marido e fiel servo Denis.Vemos a criação de um líder, a exemplo do que a equipe de marketing do PT e o presidente Lula fizeram com Dilma Roussef quando ela era chefa da Casa Civil. Thatcher foi talhada para ser autoritária, imperativa e a imagem da solidez da Grã Bretanha para o mundo.

Mas algumas pedras estão em seu caminho. Após assumir o poder, o sexismo e o desemprego se tornam as maiores delas. Com a crise econômica tornando-se mais crítica, Thatcher decide - como tantos líderes já o fizeram e continuariam fazendo após -, desviar a atenção do povo e da mídia para a solução bélica. Nesse ponto de virada na biografia, vemos a Thatcher de Meryl Streep ganhar confiança ao passar de ‘a primeira ministra mais odiada da história’ para a Maggie, tão querida pelos britânicos quanto a Rainha Elizabeth II.“Eu não me reconheço mais”. A frase, dita por Thatcher idosa – destaque para o ótimo trabalho de caracterização e maquiagem, que ressalta e não diminui o poder da interpretação - quando assiste a matéria exibida na TV, contando como a primeira ministra reclusa havia aparecido em público para fazer uma visita de rotina ao médico, tem um efeito que não nos deixar incólumes ao drama da Dama de Ferro, que é como uma espectadora da vida gloriosa e cheia de significado que levava.

Mas como nem tudo são rosas, sua intolerância e orgulho a fazem colecionar desafetos no partido conservador – a cena em que ela confronta seu vice primeiro ministro, Geoffrey, é assustadora pelo forma como ela exerce seu poder no tom de voz e nos olhares de repúdio que dirige ao alvo – o que a levam à queda. A narrativa é muito bem construída ao unir os momentos finais no poder e costurá-los na lembrança da Thatcher que se desfaz do passado para poder seguir em frente, com alguma lucidez.
Solitária, frágil e confusa, a Thatcher vista na tela grande é uma mulher de proporções humanas tão densas quanto o seu estigma de grande chefe de estado. E as mulheres também dominam o filme por trás das câmeras. Na direção Pyllida Lloyd (que já tinha dirigido Meryl no musical “Mamma Mia!”), imprime uma narrativa estilosa apoiada no ponto de vista da figura que retrata, além de expor suas fragilidades e momentos de coragem – e alguma crueldade, como quando decide ir à guerra contra os argentinos pelo controle das Ilhas Falklands ou Malvinas.

Mas nada disso resultaria em um filme profundo e redondo se não fosse o roteiro de Abi Morgan (também roteirista do elogiado “Shame”), com flahsbacks muito bem orquestrados que auxiliam na maneira como o enredo é apresentado na tela, entre o pessoal e o privado da vida de Thatcher.Faltou mais detalhamento na questão política e nos fatos históricos que, sob o governo da ‘dama de ferro’, se sucederam na Inglaterra? Se Isso fosse um documentário histórico, com certeza. Mas cinema de ficção não tem compromisso com a realidade e sim com o realismo – ou não – do relato sobre uma mulher, uma personalidade que, na interpretação da grande Streep (que arrendou premiações e alcançou sua 17ª indicação ao Oscar), já configura uma das maiores representações biográficas na história do cinema, ao lado de Ray, Lenny e da conterrânea Elizabeth II.(Lorenna Montenegro)

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