domingo, 12 de fevereiro de 2012

A POESIA DE THEO ANGELOPOULOS

“O Passo Suspenso da Cegonha” (Grécia/ França / Inglaterra, 1991) do cineasta grego Theodoros Angelopoulos é , além de um belo filme, a poesia concebida por meio de palavras e imagens. O título da obra já desperta a curiosidade do que podemos esperar de uma história sobre buscas, reencontros e desencontros. Entendamos aqui a busca não apenas pelo outro – um misterioso homem (Marcello Mastroianni) considerado um desaparecido político, - mas também a busca por si próprio dentro de um espaço físico adverso e desconhecido, na disposição íntima em obter respostas e sentido à vida.
O tema sobre a busca é recorrente na obra de Theo Angelopoulos assim como a questão do espaço. Os lugares das histórias de Theo são as fronteiras, as demarcações, os limites, as pontes que separam territórios distintos e onde habitam ou transitam pessoas rejeitadas ou consideradas como ‘refugo humano’, ou seja, aquelas não aceitas seja por questões étnicas, religiosas ou políticas. Portanto, vemos a presente figura dos exilados e expatriados nos espaços fílmicos de Angelopoulos. Neste “espaço suspenso” de Angelopoulos (co)existem gregos, curdos, albaneses, islâmicos, fugitivos haitianos, crianças e mulheres; todos são personagens na cena do filme e esta problemática ultrapassa o caos social, a complexa topografia e geo-política, mas converge para questões pessoais e de ressonância universal.
O jovem jornalista Alexandre (Gregory Patrikareas) personifica este eu inconformado com a desarmonia do mundo, parece que ele sempre está tentando colocar ou achar a peça que falta no quebra-cabeça da vida e que pode ser a busca ou reencontro entre pessoas, a (in) tolerância entre os diferentes, as divergências político-ideológicas ou até um país em conflito. Uma tarefa por vezes inglória e ainda que não resolvida a bom termo, deixa a reflexão sobre o assunto para nós.
A suposta mulher do exilado (Jeanne Morreau) é apenas uma das pistas do mistério que Alexandre tenta desvendar. Um ponto de contato mesmo que obscuro, mas que vai conduzindo a trama até a marcante cena do reencontro com o homem desconhecido. Será que ele era realmente o ex-marido a quem ela tanto procurava ou ele mudou tão radical e profundamente que nem mesmo ela o reconhecia mais? Paira essa icógnita. Angelopoulos não dá respostas, apenas deixa-nos em passo suspenso para uma reflexão sobre o que pode vir após a vontade do eu, ou de uma simples tomada de decisão a partir do livre arbítrio.
Suas longas sequências conferem uma beleza ímpar, poética e minuciosamente trabalhadas, ora silenciosas, ora permeadas de música ou compostas de diálogos igualmente poéticos que só prendem a atenção.A exemplo disto, a cerimônia de casamento realizada dos dois lados opostos das margens de um rio fronteiriço, sob o temor da patrulha militarizada. Por outro lado, a poesia se expressa através de cenas cruéis e impactantes de silêncio eloqüente: o travelling mostrando os vagões abandonados de trens improvisados como moradia dos refugiados, os rostos sofridos e apáticos remetem ao holocausto – o que não deixa de ser a visão de um povo sendo sacrificado.
Angelopoulos demonstra predileção por ambientes frios e cinzentos com neve, neblina e chuva em seus filmes, e essa atmosfera parece igualmente acentuar a introspecção que ele nos sugere. O frio pede aconchego, contrai o corpo e nos voltamos para dentro em todos os sentidos. Será proposital ou coincidência? Ou um simples toque sensorial do diretor?
Angelopoulos sai bruscamente de cena, justamente num período da história mundial em que os conflitos atuais foram magistralmente tratados em seus filmes ora de modo delicado e lírico, ora de forma crua e realista. O cineasta grego fica eternizado em sua obra como um poeta da imagem em movimento e da eloqüência do silêncio. (Elias Neves)

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