sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

O HOOVER DE EASTWOOD

Edgar Hoover passou para a aferição de quem está de longe como um sacana que forjava o que fosse preciso para mostrar serviço. O que eu lia sobre cinema nos 50/60 encontrava adjetivos de latrina sobre o manda-chuva do FBI. Mas tinha um problema: nessa época, criticas e até mesmo livros/artigos sobre história do cinema eram manipulados por simpáticos a Moscou. Não vamos longe: “Histoire Du Cinéma” de Georges Sadoul era a bíblia dos que engatinhavam no estudo da falada Sétima Arte. E Sadoul era tão sectário que escrevia o diabo de qualquer filme produzido por gente de direita como Walt Disney . Essa linha ideológica de Edgar Hoover passou para o roteiro que Dustin Lance Black escreveu para o filme de Clint Eastwood. Mas com o cuidado de não cair em sectarismo narrativo, ou seja, puxar o barco para o seu porto. O escritor de “Milk” provou saber dançar o ritmo das biografias e fez o possível para mostrar os lados bons e maus do personagem. Afinal, quem não é bom e mau no correr da vida?
“J.Edgar” lembra em tese o “Cidadão Kane” de Welles. Não é preciso mostrar uma placa dizendo que a entrada é proibida para entrar em detalhes da vida de uma personalidade como o herói não diz palavra-chave ao sucumbir a um enfarte. Hoover foi um Kane muito menor. Em grana e caráter. Ambicioso a partir do incentivo materno quando criança, criou praticamente o Bureau de Investigações que na sua direção passou a ser Federal (ou FBI). Nessa qualidade, deu força à publicidade “natural” de seus esforços, sendo preciso maquilar trabalho para dizer que fez e aconteceu..
O filme tenta seguir a linha de cima do muro. Para tanto despreza a narrativa linear. Joga com o tempo para melhor exprimir atos e fatos. E nem sempre o faz de forma paralela. Seria até didático se mostrasse um Hoover velho contando bazófia e,logo depois do corte, ele fazendo cena para aparecer. Mas não: as mudanças seguem um ritmo. A base é o próprio biografado ditando a história de sua vida para um livro. Recurso que salva algum deslize temático.
Leonardo diCaprio deve ter incentivado a produção. Não é, decididamente, o tipo ideal para retratar o feio Hoover. Mas a maquilagem e a tecnologia hoje fazem um Boris Karloff virar um DiCaprio. É um desafio que o rapaz desejou (deve ter pedido a Eastwood)e que não se pode falar mal de todo. Quilos de cosméticos envelheceram o galã de “Titanic”, projeto que foi ainda mais corajoso do que o que fizeram com Brad Pitt em “Benjamin Botton”. E DiCaprio não se intimidou em beijar na boca Armie Hammer que faz o amante do personagem, Clyde Tolson(por sinal que a maquilagem de Hammer, ao “envelhecer, está mais para os filmes de terror da Hammer).Como gol da produção conta-se ainda, o aspecto plástico conseguido como uma fotografia desgastada, dando ênfase ao passado em foco, e a musica oportuna sem ser preciso buscar o ritmo dos anos dourados de Hoover como as canções de Gershwin ou Cole Porter.
Vi o filme sem consultar meu relógio (prova de que gostei do que vi). Aliás o octogenário Eastwood quase não erra o alvo. Embora ache melhor o anterior “Além da Vida” este “J.Edgar”procede como título de uma filmografia de bom nível e um desafio maior do que o “duo” sobre a guerra na Asia que inclusive deu margem a uma versão japonesa(“Cartas de Iwo Jima”)- com fala e tudo.
Ah sim: o filme não está no Oscar nem ganhou Globo de Ouro. Feriu susceptibilidades.(Pedro Veriano)

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