sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

"J. EDGAR"





J. Edgar Hoover foi durante 48 anos o chefe do FBI (Federal Bureau of Investigation) a mais importante organização policial do mundo, sendo considerado seu patrono. Ele pode ser comparado a um Assis Chateaubriand, o magnata das comunicações no Brasil entre o final dos anos 1930 e início dos anos 1960. Ambos foram homens fortes, mas cheios de contradições humanas. E é o homem J. Edgar e não o ‘tira absoluto’ J. Edgar que Leo di Caprio representa no filme homônimo de Clint Eastwood.
Desprezado no Oscar 2012 pelos membros da academia, que não consideraram sua atuação digna de ser indicada, Di Caprio se despiu e submergiu na persona do feioso e dominador J. Edgar. Muitos apontam que a sua interpretação de Howard Hughes em “O Aviador” (de Martin Scorsese) serviu como laboratório para esse desafio maior. Eu discordo. Acredito que a composição que ele fez do excêntrico Hughes foi impecável, e a de J. Edgar, apesar de poderosa, apresentou alguns, digamos, ‘defeitos’.
Claro que ninguém imagina ser fácil interpretar um personagem dos 22 aos 77 anos de idade. E Di Caprio sofreu com falhas de maquiagem e mudanças de postura que atrapalharam sua atuação, e nós do lado de cá da tela nos incomodamos. Mas o enredo arquitetado pelo roteiro de Dustin Lance Black (“Milk – A Voz da Igualdade”) e a mão de Clint, conseguiram gerar bons momentos, apesar de resultar num filme irregular.
O principal ponto de reflexão aqui é a escolha que o veterano diretor, que lança praticamente um filme por ano desde 2006, fez por focar no aspecto pessoal de J. Edgar Hoover, humanizando o homem e esquecendo de atentar para o trabalho que o fez se tornar um mito – para o bem ou para o mal. Quando no começo da ascensão de Hoover, transformando o FBI de escritório burocrático e corrupto a uma agencia policial respeitada, Clint mantém um ritmo interessante.
A perseguição e prisão dos grandes criminosos dos anos 30, como Dillinger e Baby Face Nelson, resulta em popularidade aliada a uma boa dose de publicidade que invade os gibis e as telas dos cinemas, colocando o astro James Cagney como policial e tornando os G’Men os novos heróis da garotada. Porem, começam a se revelar nuances desagradáveis de J. Edgar, que vai suprimindo a liberdade de uns – implantando escutas, fazendo chantagens e distorcendo fatos – em prol da ‘segurança do povo americano’. A relação complexa com a mãe (Judi Dench), vai se revelando o “calcanhar de Aquiles” de um homem reprimido, talhado para ser o orgulho da família e sem espaço para demonstrar fragilidades.
Leonardo di Caprio, ao lado de Armie Hammer (que alterna masculinidade e sinceridade na pele do agente Clyde Tolson), não torna o filme ‘um drama gay monótono’, como dizem alguns críticos. Eles imprimem veracidade a vida privada de homens da lei, oprimidos pelo papel que devem representar – principalmente J. Edgar – e vivendo juntos, porem sem consumar o romance, no decorrer dos anos.
A fotografia em tons acinzentados e em algumas vezes quase na penumbra, imprime sobriedade e o clima de conspiração, sempre presente no âmbito policial. J. Edgar é um personagem extremamente paranóico e metódico, indigesto em alguns momentos, mas que graças ao talento de Di Caprio, consegue emocionar em algumas cenas como quando se vê orfão e deixa a feminilidade sair para aplacar a dor. Ou quando pergunta a secretária Miss Grandy (Naomi Watts, quase irreconhecível), se ‘destroi tudo que ama’ e lhe pede que destrua seus arquivos secretos caso ele venha a falecer.
Outro ponto para Clint é a opção estética pela caracterização equilibrada entre o bonito/feio e o bom/mal, no universo de J. Edgar: o diretor do FBI, apesar de não ser um galã, se cerca de pessoas com boa aparência como Tolson, Grandy, além de excluir da seleção de agentes aqueles que não são atraentes. Ele antagoniza personagens com alguma característica física que se sobressai, como o queixo do sequestrador, o nariz de Nixon ou os dentes de Kennedy.
Creio que as sequências do caso do seqüestro do bebê de Charles Lindenberg e com Bob Kennedy são as mais fracas, tanto em termos de dialogo quanto em construção narrativa. Não vemos J. Edgar - uma figura essencialmente política antes de um homem em conflito do prazer/dever - aplicando seu intelecto na criação das fichas de suspeitos, desenvolvendo ações para prender ‘agitadores’ ou criminosos e aspiramos por mais sequencias na sala presidencial, onde ele destilou sua influencia como a águia americana guardiã da pátria. Nesse filme ambíguo, sua personalidade nos é apresentada, mas passa longe de ser desmistificada ou revelada.(Lorenna Montenegro)

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