Um dos temas mais interessantes que o cinema pode abordar especialmente nos dias de hoje, é o da solidão. Em pleno século XXI, na era da comunicação, das mídias sociais, mais do que nunca parece que estamos cada vez mais sozinhos e vivendo numa sociedade individualista. Relacionando este tema com a questão da velhice, novos caminhos narrativos podem ser explorados e Eryk Rocha, um dos nomes mais importantes do cinema brasileiro atual, soube abordar este assunto com sensibilidade e inteligência em seu primeiro filme de ficção, “Transeunte”. No filme, acompanhamos o dia a dia de um homem aposentado que sem raízes familiares e/ou emocionais, vaga pelas ruas do Rio de Janeiro para ser notado, desprezado, percebido, ignorado. Um homem invisível aos outros e a si mesmo que encontra nas pequenas rotinas algo para se prender à vida. Sua comunicação com o mundo vem através de um rádio de pilha, do futebol e de uma obra que acontece ao lado de seu prédio. Estas são as suas referências que reforçam e muitas vezes impedem seu isolamento total e constante busca de uma razão para viver. Filmado em preto em branco, dimensionando assim a dor, a monotonia e descrença do personagem no mundo que vive e em si próprio, “Transeunte” mergulha fundo neste mundo de desesperança, frieza e isolamento de um homem idoso sem perspectivas. Metáfora sobre o mundo capitalista onde quem não produz não tem “valor”? Metáfora sobre a verdade do homem moderno que se isola e se distância da realidade e da indiferença do outro por não ser “notado”? Metáfora sobre a insignificância do mundo em relação aos idosos e/ou daqueles que viveram demais para continuar acreditando em alguma coisa concreta e positiva? Acredito que Eryk Rocha, como todo bom cineasta, faz mais perguntas que respostas sobre o tema. Muito bem dirigido, o filme tem longas cenas, enquadramentos que “quebram” a narrativa, uma montagem cadenciada que explora até o limite o potencial de cada cena de solidão do personagem e excesso de barulhos e silêncios que mostram o mundo em volta do personagem, tudo dentro de uma narrativa que não faz concessões. Vejo claras influências do cinema novo brasileiro dos anos 60 no filme e ao mesmo tempo, uma modernidade estética que já tinha percebido nos documentários anteriores do diretor (com “A Rocha que Voa” e “Pachamma”). Sem concessões ou mudanças na história que teriam objetivo de deixar o filme mais acessível, “Transeunte” não foi concebido para ser um filme popular. Aqui, temos um bom exemplo do que podemos chamar de cinema de autor em nosso cinema como algum tempo não tinha visto. Longe das atuais produções brasileiras que pretendem conquistar o público à qualquer preço com filmes que já nascem velhos e datados, “Transeunte” é um filme que nos obriga a prestar atenção e procura estimular nosso olhar e pensamento num tema tão complexo e próximo de todos nós. Por isso merece nosso elogio e todos os prêmios que tem recebido. Não deixe de ver.(Marco Antonio Moreira)
O VELHO DE ROUPA NOVA
“Transeunte”(Brasil.2010)é o tipo do filme sobre velho tratado por cineasta novo. Começa a ser assim definido pela piedade no corte. Poucos diretores jovens gostam de cortar seus filmes. Erik Rocha segue a regra. Há, por exemplo, uma seqüência em que o principal personagem anda um quarteirão inteiro e a câmera estática o observa até atingir que ele chegue ao fim da rua. Além disso, há muita filigrana a titulo de evocação poética (flores caindo, travelling ligeiro por entre arvores....). Os argentinos vêem a velhice com mais discernimento, ou seja, filme de estilo velho sobre velhos. Mas eu não quero fazer comparações. Achei o filme de Erik, seu primeiro longa, muito interessante. Até porque não é derrotista. O cidadão chamado Expedito (Fernando Bezerra ótima máscara),tem 65 anos, é solteiro, perdeu a mãe com quem vivia, e agora mora só em uma quitinete no subúrbio carioca. Sua rotina pode parecer enfadonha. Mas não se vê reclamos da parte dele. Ouve radio insistentemente, caminha pelo bairro onde mora, freqüenta um bar das proximidades, vai ao Maracanã torcer pelo Flamengo,e até ensaia a voz no mencionado bar. Isto sem falar em sexo. Quando não suporta a abstenção procura uma prostituta. E o único lado triste desse quadro é ir ao cemitério e levar os restos da mãe para uma gaveta num corredor da mesma necrópole. “Transeunte” não mostra um Rio postal nem um Rio favela. E chega a parecer ficção cientifica quando foca Expedito andando pelas ruas desertas na madrugada sem ser assaltado. Isto numa metrópole de hoje é como viajar em nave espacial. Infelizmente a narrativa com a explosão de closes e lentidão de seqüências torna o filme endereçado à platéia especial. Mas se compararmos com o que fazia o pai do cineasta, Glauber Rocha, é um drama que o espectador paciente compreende e se comove. As lições de cinestética estão mais para os postulados básicos (ou griffhtianos) do que para os cultuados por Godard. Daí eu ter gostado do que vi. Uma estréia que se pode achar corajosa na artindustria traiçoeira. (Pedro Veriano)
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